"Uma lógica irracional, ilógica, absurda e incompleta"
Importa trazer a este blog uma tema controverso, mas do qual retiramos conclusões que no nosso ponto de vista não poderiam ser outras.
Mas afinal o que é que vamos abordar? Ora, a famosa teoria dos vícios, que por vários anos vigorou em Portugal. Aliás, esta mesma já constou da lei, no antigo Código Administrativo e na LAL, mas hoje em dia já não vem plasmado na lei, exatamente por ser ilógico, como dizia o professor Gonçalves Pereira.
Antes de mais é importante saber quais eram estes vícios que são manifestações da ilegalidade de um ato e sem mais demoras, elenco-os: a usurpação do poder, a incompetência que se divide em absoluta e relativa, o vício de forma, o desvio de poder e também a violação de lei.
Analisando um a um, comecemos pela usurpação do poder que é, na verdade, uma incompetência agravada, que acontece quando um órgão administrativo não atua apenas fora da sua competência, mas quando invade a competência de um outro poder do Estado, violando a separação de poderes. Um exemplo disto seria um ministro a realizar aquilo que são as funções de um juiz. Por sua vez, a incompetência absoluta corresponde a um ato ser praticado fora das atribuições do órgão que as praticou e a relativa acontece quando o órgão é incompetente, mas está a agir em matéria que é das atribuições dessa pessoa coletiva, como se um ato que é da competência do Presidente da Câmara fosse praticado pela Câmara Municipal ou pela Assembleia.
Se olharmos a esta “tridivisão” conseguimos perceber o quão ilógica é esta teoria, desde já porque se como diz o professor Freitas do Amaral, a cada vício deve corresponder um elemento essencial do ato administrativo, neste caso, tínhamos um único elemento, o da competência, e três diferentes vícios a si associados. Para a validade esta divisão não tinha qualquer relevância, não era essencial.
Mas não menos importante, é tratar de um outro vício, o da forma, que aqui correspondia a dois elementos essenciais. Isto porque esta teoria era também incompleta, faltava-lhe o procedimento, que nesta altura dizia-se que gerava vício de forma, quando na verdade, este é autónomo e deve corresponder ele próprio a um elemento. Esta confusão da doutrina entre forma e procedimento há muito já ficou para trás e não deve ser nem mais um minuto defendida. Com todo o respeito, não posso defender uma teoria que consagre esta visão arcaica e jamais correta.
Em relação às questões materiais, como a doutrina separava os atos vinculados dos discricionários, acabava por separar o vício do desvio de poder, relacionado com a violação do fim, da violação de lei. Dizia que o primeiro só existia quando estava em causa um poder discricionário, era portanto específico deste poder. Só que nos nossos dias já é sabido que ambos os poderes são relevantes, e que o discricionário não é uma exceção do vinculado, muito pelo contrário, todos os atos, como defende o professor Vasco Pereira da Silva, têm aspetos vinculados e discricionários. Assim, as ilegalidades materiais relacionam-se com os dois. Mais, a própria expressão “violação de lei”, era equívoca, porque nesta tal cabiam todas as ilegalidades pois confunde violação de lei, que em sentido amplo, corresponderia à violação da incompetência, da forma, do procedimento sem justificação na lei, com violação da lei. Logo mediante professores, como Vasco Pereira de Silva, isto não faria qualquer sentido, porque são duas modalidades de exercício do princípio da legalidade e se o elemento essencial é o conteúdo, qual seria o sentido em falar em dois vícios? Parece-me que nenhum, como já abordei anteriormente.
A incompletude desta teoria é igualmente evidente quando nunca refere os vícios da vontade, sendo que como é hoje sabido, eles mesmo dão lugar a ilegalidades. Exemplo disto são os atos praticados sob coação física ou moral, que pelo 161º do CPA geram nulidade e mesmo o erro, que apesar de tudo gera apenas anulabilidade.
Não posso deixar de criticar esta teoria por um outro motivo, que é esta já nem sequer estar prevista na lei portuguesa, e por algum motivo será. Hoje o Código de Processo Administrativo, pede exclusivamente que o particular ao apresentar uma petição enumere o pedido e a causa do pedido, isto é, que enumere as ilegalidades e que invoque a circunstância da vida que determine essa ida a tribunal, no seu art.78º/2/f , não falando nunca nos vícios. Aliás, apenas o artigo 161º do CPA, parece falar de dois destes atualmente e é único, fala da usurpação do poder e do desvio de poder. Mas com propósitos diferentes do que nesta teoria. Refere a usurpação do poder exatamente porque como é uma incompetência agravada, deve resultar em nulidade e não em anulabilidade, isto é, para que tenha uma sanção mais ampla e refere na alínea e) o desvio de poder para fins de interesse privado, que neste sentido quer significar a corrupção e deve ser visto como mais grave do que quando a Administração Pública decide prosseguir um interesse público diferente, o que geraria apenas anulabilidade.
Posto isto, considero relevante conhecermos o que a doutrina no passado defendia (tendo mesmo sido consagrado pelo legislador), para que consigamos entender a evolução do Direito Administrativo e demonstrar que apesar da sua “infância difícil” é possível chegar a conclusões lógicas, aprendendo com os erros do passado, devendo hoje adotar uma visão que abordaremos em outro post.
Isabel Ventura
Fonte:
Aulas de professor Vasco Pereira da Silva
Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", volume II
Citação do professor Gonçalves Pereira
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