Meritíssimo Juiz de Direito,
Florbela Betão, nascida em 04.05.1967, portadora do número de CC 55555555, com residência na Avenida da Liberdade e Diretora da Faculdade de Arquitetura enquanto representante desta instituição,
Vem, nos termos dos artigos 58º e segs., do CPTA, intentar a presente ação administrativa contra o antigo titular das Finanças, e atual vice-Reitor do ISER e contra o próprio Ministério das Finanças.
Visando:
A) A determinação deste ato administrativo como ilegal e portanto a sua anulação.
B) Que a Administração Pública elabore um novo despacho em que incluísse o financiamento também do Centro de Investigação para Estética dos Edifícios Públicos, da Faculdade de Arquitetura.
Dos factos:
1. Foram apresentados 22 projetos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
2. O Ministério da Ciência e do Ensino Superior apresentou estes projetos por considerar que todos tinham mérito para receber financiamento.
3. Estes projetos estavam em igualdade de circunstâncias.
4. O objetivo da apresentação destes projetos seria financiar os vários, por motivos de necessidade de apoio económico do Estado para incentivar os alunos das várias faculdades a prosseguirem estes projetos académicos e para que esses mesmos produzissem frutos.
5. Apenas 1 desses projetos, o da criação do Centro de Investigação Verdadeiramente Catita (CIVC), que pertencente ao Instituto Superior da Economia da Realidade (ISER), mereceu despacho favorável do Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro.
6. Este ministro não só aprovou o financiamento de um projeto, como rejeitou o de todos os outros, ato este implícito.
7. Despacho este que não terá sido devidamente fundamentado.
8. Tendo o fundamento para a prática deste ato de escolha daquela instituição em detrimento das outras sido apenas por “necessidade da subvenção para não se perder o apoio europeu”.
9. Manuel Cordeiro pertencia ao quadro docente dessa instituição, ISER.
10. A grande razão porque este ministro escolheu este projeto foi para que em troca lhe atribuíssem o cargo de vice-Reitor no ISER.
11. Tanto o ISER como a Faculdade de Arquitetura são universidades públicas.
12. Na sequência desse despacho, utilizando a dotação especial do Ministério das Finanças para o apoio a projetos nacionais já detentores de financiamento europeu, mas necessitados de cofinanciamento nacional para a sua concretização, foi atribuído um montante de 8 milhões de euros ao Centro de Investigação Verdadeiramente Catita.
13. O CIVC antes havia recebido uma subvenção de 5 milhões de euros, no âmbito do projeto europeu Portugal 2020.
14. O caso chegou ao conhecimento público, aquando da aprovação do Orçamento de 2022.
15. Nessa mesma altura (facto nº14), soube-se também que o responsável pela elaboração das normas orçamentais, e antigo titular da Pasta das Finanças, retornara à respetiva instituição universitária como vice-Reitor.
16. O Centro de Investigação para Estética dos Edifícios Públicos, da Faculdade de Arquitetura, não havia sido contemplado por este ato administrativo.
17. Florbela Betão é a diretora da Faculdade de Arquitetura.
18. Sabe-se com certezas que o vice-Reitor participou no procedimento, pois esteve presente nas inúmeras reuniões que ocorreram para debater este assunto na sala de conferências do Ministério da Educação.
19. Foi também o Vice-reitor que elaborou o despacho e que proferiu a decisão final.
20. Todos estes projetos tinham já recebido financiamento europeu, apesar de este ter sido o que mais dinheiro recebeu.
21. Não houve audiência dos interessados.
Do direito:
A) Ilegalidade por falta de competência
22. Se era da competência do Ministério da Educação escolher os projetos que deviam ser financiados por razões de mérito e no final de contas é o Ministro das Finanças que acaba por fazer essa decisão, ao escolher apenas um deles para ser financiado e ignorando todos os outros, sendo que a sua função era meramente conceder os vencimentos, este órgão invade as competências de um outro (o Ministro da Educação), o que resulta numa incompetência, e consequentemente na anulabilidade do ato.
B) Ilegalidades no procedimento:
23. O estado democrático exige um dever de fundamentação à Administração Pública dos seus atos, exigência esta do procedimento que quando não cumprida gera invalidade. Segundo o art.153º do CPA, a Administração tem, na verdade, de apresentar as razões de facto e de direito para a sua decisão, de forma expressa. E nos termos do nº2 do mesmo artigo sabe-se que equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos, que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato. Que é exatamente o que acontece na situação presente, o motivo apresentado para a prática deste ato é tão insuficiente que equivale à falta de fundamentação. Aliás um ato deste calibre e importância não se bastava com tão fraca fundamentação. Não é sequer perceptível o porquê de o antigo Ministro das Finanças ter decidido da seguinte forma. Estamos então perante uma ilegalidade.
24. Existem quatro fases autónomas no procedimento, sem as quais o procedimento não se conclui, e uma delas é a audiência dos interessados, exprimindo a ideia de que o particular ao ser ouvido pode defender a sua posição antes de ser tomada a decisão final, mas permite também que a Administração Pública tome uma decisão mais informada, tendo em conta todos os interesses em causa. E na verdade é um princípio, o da participação, que dá origem a este direito, no nosso ponto de vista e de parte da doutrina, fundamental. Esta participação é própria de um Estado de Direito, como desenvolvemos no ponto 35. Mas em termos do procedimento, esta é exigida para a validade do ato administrativo no artigo 121º e ss. do CPA, que refere igualmente que os interessados devem até ser informados sobre o sentido provável da decisão, o que não se verificou. A sua falta é igualmente uma ilegalidade, desde já pois se não damos espaço para que todos os intervenientes se pronunciem então não podemos considerar que as ilações presumidas correspondem à total veracidade e justiça dos factos, sendo que não estamos sequer perante estado de necessidade.
C) Ilegalidades materiais:
25. Sendo que o ministro das Finanças à altura desta decisão é o atual vice-Reitor da única universidade a qual recebeu financiamento por parte do Estado, e da qual já era anteriormente docente, entende-se que há aqui uma violação do princípio da imparcialidade, presente no art.9º do CPA, que determina que a Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação. Estamos então perante um caso de suspeição, segundo o art.73º nº2 do CPA, que evidencia que qualquer interessado na relação jurídica procedimental possa deduzir suspeição quanto a titulares de órgãos da Administração Pública que intervenham no procedimento e desde já que tenham interesses secundários nessa intervenção. E sabe-se que nenhum órgão do poder público pode ter interesses adicionais, ou seja, a autoridade administrativa tinha de decidir sem ter qualquer interesse direto na matéria. Caso haja alguma posição de vantagem que é atribuída a alguém, neste caso ao Ministro das Finanças, isto significa que esse órgão não poderia decidir. Mais, é claro que Manuel Cordeiro devia ter-se escusado, isto é, devia ter pedido dispensa de intervir, uma vez que estamos perante circunstâncias em que se podia seriamente duvidar da imparcialidade da sua conduta ou decisão, não só porque era na altura docente daquela universidade, como por atualmente ser vice-Reitor da mesma, reforçando, o que demonstra com toda a probabilidade que se está perante um conflito de interesses, pelas mesmas razões pelas quais não se pode decidir em relação a um familiar ou amigo próximo. Sendo evidente que houve uma posição benéfica não para com os familiares do réu, mas para com a instituição a que pertencia. É óbvio que acaba por privilegiar aquela instituição por fazer parte dela, e disto decorre a anulabilidade deste ato, nos termos do artigo 76º do CPA.
27. Há também uma violação da confiança que as faculdades colocam na Administração Pública, acreditando vivamente que esta seja justa e que decida conforme o interesse dos vários interessados e da sociedade em geral e não só os seus próprios.
28. No seguimento do dito anteriormente, é notório que como a razão para que o Ministro das Finanças escolhesse aquele projeto e ignorasse todos os outros era a sua vontade de ser vice-Reitor, existe um desvio de poder para fins de interesse privado, o que leva à nulidade deste ato (161º nº2 alínea e) do CPA). Isto porque o seu ato em concreto teria sido não com pretensão de prossecução do interesse público ou para o benefício do ensino superior e dos seus alunos, nem mesmo da universidade em questão, mas por um fim privado, de benefício a si próprio, para progredir na sua carreira.
29. Pelas mesmas razões apresentadas anteriormente, não só prejudica e não tem em consideração os outros particulares interessados no financiamento dos projetos apresentados pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que tinham todos o mérito para o receber, como também não prossegue o interesse público, violando o princípio de prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (art.4º do CPA e art.266º/1 da CRP).
30. É sabido, igualmente, que a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, constante do art.6º do CPA, nas suas relações com os particulares, não podendo beneficiar ou prejudicar alguém, ou mesmo privar alguém de algum direito, se não por um critério objetivo e razoável tendo em conta o fim a prosseguir. E a Administração, no presente caso, privilegiou uma instituição em detrimento de todas as outras, que são igualmente universidades públicas, sem ter por base quaisquer critérios objetivos que justificassem esta decisão, tendo o ministro beneficiado única e exclusivamente a instituição a qual integra, por esse mesmo motivo. Portanto, não nos deixa qualquer dúvidas a existência de uma discriminação face inclusive à Faculdade de Arquitetura.
31. Antes de mais, consideramos que o CIVC ao receber uma subvenção de 5 milhões de euros da UE e de ainda mais 8 milhões do Estado português, considera-se que foi financiado de forma excessiva e portanto não se pauta por critérios de eficiência, economicidade e celeridade, pois está a dispor excessivamente de recursos que podiam estar a ser utilizados para outros projetos, o que criaria um maior aproveitamento a nível nacional, podendo, até, ter impacto a nível internacional.
32. Ora, a boa fé objetiva exige que as partes adotem uma conduta leal, honesta e informativa, e a Administração pública não justifica quais os critérios a que recorreu e mais, os outros concorrentes são preteridos sem qualquer base justificativa. E por este motivo, o princípio da boa fé (art.10º do CPA) está também violado, evidenciando mais uma ilegalidade material.
33. Não menos importante é o respeito pela justiça e pela razoabilidade, princípios estes consagrados no artigo 8º do CPA e no artigo 266º/2 da CRP. E como é sabido a ordem jurídica portuguesa assenta em pressupostos lógicos e, portanto, se o critério é ilogicamente grave no quadro do nosso ordenamento jurídico, essa “ilogicidade” também deve determinar uma ilegalidade. Aliás, já há muito que no quadro do Direito Alemão que o seu Tribunal Constitucional tem afastado por inconstitucionais decisões desrazoáveis, decisões absurdas e tal também foi adotado em Portugal. E não é de todo razoável que o CIVC receba tantos vencimentos e as outras instituições nada recebam, é mesmo manifestamente desrazoável e incompatível com a ideia de Estado de Direito Democrático. Aliás pela própria forma como se encontra formulado este despacho, pode ver-se também como manifestamente injusto, pois ignora completamente as outras instituições, nem sequer dando um fundamento aceitável para isso. E ainda ao nível da razoabilidade é contraditório porque a razão que utiliza para justificar a necessidade deste financiamento para o CIVC era para que não perdesse o financiamento europeu, no entanto, todos os outros, mesmo que com quantias muito menos evidentes, também tinham recebido dinheiro da Europa. Logo, a Administração Pública nunca devia permitir uma solução que se demonstra inevitavelmente desrazoável, visto que como já antes enunciado conceder 8 milhões de euros a uma universidade à qual já tinham sido concedidos 5 milhões de euros, enquanto todas as outras nada recebem, é inadmissível à luz do Direito.
34. Não podemos deixar de invocar a clara violação do princípio da proporcionalidade, presente no art.7º do CPA. Antes de mais, remetendo para o anteriormente dito no ponto 28, é um facto que a Administração Pública na prossecução do interesse público deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos. E exatamente como já antes evidenciado, houve uma violação do fim, visto que o objetivo do financiamento destes projetos era beneficiar as várias faculdades e os projetos que os seus alunos possam vir a desenvolver, pois se esses realmente os desenvolvessem, tal viria mesmo a beneficiar a sociedade em geral, e não fornecer dinheiro a uma única faculdade para que esta mantivesse o financiamento europeu e muito menos para que o senhor Manuel Cordeiro pudesse subir de cargo na sua carreira, de docente para vice-Reitor. Diríamos mesmo que o fim desta atuação por parte do ex ministro seria mesmo esse, o de conseguir aquele cargo no ISER, e em troca escolhia o projeto dessa instituição para ser o financiado. E mesmo que esse não fosse o objetivo principal, a escolha daquele projeto em específico seria sempre por ser o do local onde trabalhava e agora novamente trabalha. Portanto, há uma violação deste princípio na sua vertente da adequação, o que gera anulabilidade. Além disso, a quantia de 8 milhões de euros afigura-se desproporcional, devido ao facto de o CIVC já ter recebido anteriormente, uma subvenção de valores elevadíssimos, mais precisamente 5 milhões de euros, e todas as outras que também merecem o apoio financeiro do Estado não teriam recebido este apoio em Portugal e quantias insignificantes da Europa, admitindo que essas outras universidades podiam mesmo necessitar mais deste apoio financeiro. É deveras perceptível a qualquer pessoa que estes 8 milhões, quantia esta também bastante elevada, deviam ter sido distribuídos de forma igualitária ou ao menos proporcional pelos vários projetos apresentados pelo Ministério da Ciência e da Educação Superior, que como já antes enunciado estavam em igualdade de circunstâncias, sendo idênticos inclusive em termos de mérito.
35. Por último, mas igualmente relevante, verifica-se a violação do princípio da participação (art.12º do CPA) e o da colaboração com os particulares, pois como já antes alegado no ponto 24, não houve audiência dos interessados, que não é só uma fase do procedimento como igualmente um direito fundamental, na ótica de parte da doutrina, como na visão do professor Vasco Pereira da Silva e tal implicaria a nulidade do ato ao abrigo do artigo 161º nº1 alínea d) do CPA. Este direito de audiência visa garantir a qualidade da Administração Pública, a qualidade e legitimidade dos fins prosseguidos- o direito à audiência é uma espécie de direito de prevenção que visa assegurar então não só a qualidade da decisão tendo em conta o interesse público, mas de modo a minimizar lesões ao particular, sendo por isso um direito fundamental de natureza procedimental. Aprofundando esta ideia, não foi assegurada a nenhuma das diversas faculdades a possibilidade de serem ouvidas e de exporem os seus interesses, logo a sua participação não foi garantida, o que é ilegal.
Nestes termos, e nos demais de Direito deve a presente ação ser apreciada e, em consequência, deve haver uma nova distribuição do financiamento, ou se tal não for possível deve ser dada uma indemnização aos prejudicados e este despacho declarado como nulo, com todas as consequências legais.
Fazendo-se assim a costumada Justiça!
Role de testemunhas:
1ª- ministro da ciência e do ensino superior
2ª- docente do ISER
3ª representante da associação de estudantes da faculdade de arquitetura
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