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Post nº2 - Rodrigo de Sousa da Câmara Martins Ferreira - Da necessidade da materialização legislativa dos princípios administrativos

  Por impossibilidade de acesso ao blogue por problemas de compatibilidade do e-mail, eu Rita Reigadas deixo em seguida o post da autoria do colega Rodrigo Sousa da Câmara Martins Ferreira com o número de aluno 140120515 a pedido deste.

Da necessidade da materialização legislativa dos princípios administrativos

O caso da Lei 26/2016 (LADA)


Nesta fase já diversos princípios administrativos foram abordados e, como anteriormente igualmente visto, a sua relevância e impactos nas diversas áreas de actividade da administração também estudados.

Ora, tendo já assente que os princípios administrativos são juridicamente vinculativos subsiste ainda um problema na sua aplicabilidade. Com efeito, muitas vezes a sua aplicabilidade directa está aberta a uma interpretação ponderada (quase discricionária) que permite muitas vezes a derrogação de um princípio em face de outro num caso, mas se calhar a situação inversa noutro caso. Tal “incoerência” na aplicabilidade do direito não seria sempre necessariamente nociva, no entanto os mecanismos existentes não garantem que a interpretação e aplicação dos mesmos pela administração seja sempre a que melhor defende o interesse público.

Abordemos então um caso concreto para exemplificar: o princípio da administração aberta. Este princípio tem consagração não só legislativa (17º CPA), mas também constitucional (268º nº2 CRP). Aqui se visa garantir que os particulares tenham acesso aos documentos administrativos que, em regra, devem conter as informações dos processos de decisão e procedimentos da administração, para garantir uma fiscalização da administração por parte dos particulares.

Com efeito o mesmo direito e princípio já estava constitucionalmente consagrado há muito tempo, no entanto, a realidade material não traduzia um respeito por esse princípio uma vez que o mais frequente era o particular não ter um mecanismo efectivo de obtenção dos documentos administrativos que pretendesse ter, e a mera citação do principio no seu pedido de informação administrativa era insuficiente para a administração, munida de outros princípios e quem sabe intenções, dar deferimento ao pedido.

Veja-se a relevância deste princípio para assegurar um comportamento racional e idóneo por parte da administração, se os particulares não conseguirem ter acesso às provas documentais do comportamento da administração muito dificilmente conseguirão escrutinar e demandar a administração nos tribunais administrativos em caso de existência de contencioso. Exemplificando, um particular operador económico que acredite que exista algum tipo de fraude num procedimento de contratação pública, só através do acesso aos documentos administrativos conseguirá esclarecer a sua suspeita bem como só através deles poderá ter provas documentais e materiais necessárias num potencial caso de contencioso administrativo.


Veja-se então a relevância do surgimento da LADA. 

Esta Lei de 2016 consagra um regime jurídico de acesso aos documentos administrativos, ou seja, mecaniza e explicita a forma como os particulares podem agora demandar da administração o acesso a informação administrativa. Naturalmente, a mera regulação de um regime de acesso facilita a mecanização da administração no respeito ao princípio já referido.

Mas esta lei vai mais além do que meramente definir um regime mecânico de acesso. Com efeito a Lada vai mais além, através do seu artigo 5º esta lei esclarece uma grande dúvida antiga na interpretação e aplicação do princípio da administração aberta. 

Se outrora muitas vezes a administração indeferia pedidos de acesso a informação administrativa por presumir, na sua interpretação do princípio da administração aberta, que o particular tinha de ter e evidenciar interesse directo nos mesmos. Agora, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos…”, ou seja, através desta materialização legislativa do princípio suprarreferido conseguiu-se garantir o cumprimento do mesmo atribuindo-lhe o âmbito que, seguramente, a constituição visava que tivesse.

Poderão argumentar que isto é pouco relevante, que “se, se na interpretação mais restritiva do princípio se garantia o acesso aos directamente interessados então os seus direitos como administrados estavam assegurados”. Ora tal argumentação não deve colher provimento.

Em primeiro plano porque o interesse público é-o público porque é de todos, ou seja, independentemente dum impacto directo existir num cidadão em particular a eficiência e racionalidade da administração é do interesse de todos no exercício dos seus poderes e alocação dos seus recursos financeiros. Não é por não ser um construtor civil que deixo de ter interesse em garantir que a administração efectua um procedimento administrativo sem vicio na formação de um contrato público de construção de uma ponte, que utilizará verbas públicas.

Em segundo plano, e mais nuclear para este caso, porque a prova do interesse legitimo é algo particularmente difícil de fazer e aberto a discricionariedade interpretativa.

Exemplificando, o regime da consulta prévia na contratação pública muitas vezes permite que a administração, quando exercida por sujeitos que visem desviar os seus recursos, convide discricionariamente 3 empresas para uma consulta prévia. Ora, pode convidar duas de “amigos” que saiba que não irão apresentar proposta e a terceira da pessoa a quem quer adjudicar. No fundo garantir o contorno ao limite dos 20.000€ do ajuste directo, efectuando um ajuste directo travestido de consulta prévia por 74.999€.

Ora um outro operador económico, que actue no mesmo sector e que não foi convidado para a consulta prévia dificilmente se poderia considerar “interessado” para efeitos de acesso aos documentos administrativos num momento pré-LADA, pelo que nunca teria hipótesse de descobrir, reportar e impugnar atos administrativos anti-concorrenciais.


Assim, podemos ver a relevância que a materialização legislativa deste princípio administrativo teve para assegurar o seu cumprimento e uma administração pública mais escrutinada no seu cumprimento dos procedimentos administrativos.


Ora, este texto visou trazer à discussão a necessidade de materialização dos princípios administrativos, não porque o seu autor adopte uma posição que rejeite a vinculação jurídica dos mesmos, mas sim porque se compreende que a realidade material da interpretação de normas vagas muitas vezes leva a que tenham um âmbito desregulado, tanto para cima com uma interpretação demasiado extensiva, como para baixo com uma interpretação demasiado restritiva. Mas veja-se que o ordenamento jurídico se desenvolve e orienta a partir de princípios, que estes são as raízes da nossa organização social-legal das quais devem brotar leis posteriores que melhor assegurem o seu cumprimento. É exactamente por se levar a sério os princípios administrativos, por se admitir a sua suma importância, que aqui se vem chamar a atenção da necessidade do seu aprofundamento legislativo nos casos em que por eles haja um generalizado “desrespeito” interpretativo. Neste caso concreto abordou-se o caso do princípio da administração aberta pré e pós LADA, no entanto casos semelhantes poderão e deverão ser estudados em relação a outros princípios administrativos (e não só administrativos).



Rodrigo de Sousa da Câmara Martins Ferreira

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