PARECER
De acordo com as funções desempenhadas pelo Ministério Público, no seu papel fundamental de garantir o direito à igualdade e a igualdade perante o Direito, bem como o rigoroso cumprimento das leis à luz dos princípios democráticos, vem por este meio apresentar um parecer quanto à intimação apresentada por Florbela Betão, Diretora Faculdade de Arquitetura no Tribunal Administrativo em relação aos factos ocorridos.
Foram apresentados 22 projetos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior para financiar os vários, por motivos de necessidade de apoio económico do Estado para incentivar os alunos das várias faculdades a prosseguirem estes projetos académicos e para que os mesmos produzissem frutos.
Dito isto, apenas um desses projetos, o da criação do Centro de Investigação Verdadeiramente Catita (CIVC), que pertence ao Instituto Superior da Economia da Realidade (ISER), mereceu despacho favorável do Ministro das Finanças, Manuel Cordeiro. Este Ministro não só aprovou o financiamento de um projeto, como rejeitou o de todos os outros, por “necessidade da subvenção para não se perder o apoio europeu.”
Na sequência deste despacho, utilizando a dotação especial do Ministério das Finanças para o apoio a projetos nacionais já detentores de financiamento europeu, mas necessitados de cofinanciamento nacional para a sua concretização, foi atribuído um montante de 8 milhões de euros ao Centro de Investigação Verdadeiramente Catita, que já teria recebido 5 milhões de euros, no âmbito do projeto europeu Portugal 2020.
O caso chegou ao conhecimento público com a aprovação do Orçamento de 2022, altura essa em que se soube também que o responsável pela elaboração das normas orçamentais, e antigo titular da Pasta das Finanças, retornara à respetiva instituição universitária como vice-Reitor.
Tendo em conta os factos em causa, o Ministério Público pronunciar-se-á sobre as seguintes ilegalidades:
Violação do princípio da proporcionalidade
Violação do princípio da imparcialidade
Violação dos princípios da igualdade, justiça e razoabilidade
Violação do dever de fundamentação
Violação do princípio da participação e audiência prévia
Posto isto, cabe ao Ministério Público emitir o seguinte parecer, nos termos do artigo 85.º, n.º2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos:
I.
Consagra-se no art.7º do Código de Procedimento Administrativo e art.18º, n.º 2 e art.266º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa o princípio da proporcionalidade. Determina este que deve a Administração Pública garantir a adoção de comportamentos adequados aos fins a prosseguir, na prossecução do interesse público. Assim, terá a Administração, à luz deste princípio, que fazer uma correta ponderação entre os recursos a utilizar e os objetivos a atingir, de forma a lesar os particulares na medida do estritamente necessário.
O princípio da proporcionalidade subdivide-se em três subprincípios: necessidade, adequação e equilíbrio. Dos acima mencionados, considera-se que o equilíbrio, isto é, a relação custo-benefício dos meios que são empregues para os fins que se pretendem atingir, não foi respeitado. Isto, porque deverá sempre haver, por parte da Administração, uma ponderação entre o custo e o benefício de uma determinada medida ou decisão. O despacho aprovado pelo Ministro das Finanças, da perspetiva do Ministério Público, ultrapassou em larga escala a relação entre os recursos disponíveis e os fins a atingir. Por esta incorreta alocação de recursos, cujo o valor de 100% do financiamento foi apenas destinado a uma única instituição de um total de vinte duas, consideramos que o princípio da proporcionalidade não foi integralmente respeitado, lesando os restantes particulares interessados.
II.
O art.9º do CPA determina que “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.” Este princípio é de elevada importância, tendo, como tal, assento constitucional; Assim, também o art.266.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa consagra que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”
Dito isto, determina este princípio que a Administração Pública não possa decidir em causa própria, devendo, nas suas relações com os particulares e outros administrados, tratá-los com igualdade e isenção, abstendo-se de os favorecer ou prejudicar, independentemente de qualquer interesse pessoal.
Este princípio é completado com as normas do art.69.º e ss. do Código de Procedimento Administrativo. Nos termos do art.69.º, n.º 1, al.a), “Os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa.”
Ora, Manuel Cordeiro era não só docente no Instituto Superior da Economia da Realidade (ISER), como vice-Reitor da mesma, pelo que deveria ter pedido escusa, declarando-se impedido de tomar a decisão. Não o tendo feito, por ter interesse direto na decisão, o Ministério Público considera, então, que há uma violação do princípio da imparcialidade.
III.
O princípio da igualdade encontra-se consagrado no art.13º da Constituição da República Portuguesa, bem como no art.6º do Código de Procedimento Administrativo. Este artigo estabelece que “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Juntamente a estes artigos, cabe-nos analisar o art.8º do Código supramencionado, que determina que: “A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.”.
Primeiramente, analisaremos se existe ou não uma violação do princípio da igualdade, na escolha do projeto que foi financiado, em detrimento dos restantes em concurso. À partida, e do que podemos analisar, os 22 projetos apresentados pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior estavam em igualdade de circunstâncias. No entanto, é necessário ter em conta o facto de que o princípio da igualdade rege as relações dos particulares com a Administração Pública, porém, no caso concreto, estamos perante instituições públicas e não particulares. Importa ainda salientar que o princípio da igualdade comporta duas subdivisões:
Por um lado, há uma proibição da discriminação, que se traduz em 3 passos: primeiramente, e através da interpretação, de observar-se o fim visado; de seguida, separa-se e isolam-se as categorias que, para realizar certo fim, são objeto do mesmo tratamento ou de um tratamento diferenciado; e por último, deve ter-se em conta se é razoável proceder àquela diferenciação.
Por outro, há uma obrigação de diferenciação, na medida em que a igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, mas que se trate de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença.
De seguida, cabe-nos analisar se houve ou não uma violação do princípio da justiça e razoabilidade, consagrado no art.8º do Código de Procedimento Administrativo. Aqui, está em causa avaliar se as verbas atribuídas são razoáveis e lógicas. Neste caso, as verbas não são distribuídas de forma igualitária, mas sim seguindo o princípio da boa administração e prossecução do interesse público, uma vez que a avaliação da prossecução destes princípios se encontra no Caderno de Requisitos, na medida em que é neste que constam os requisitos para a elegibilidade destes fundos. Ressalvar que, uma vez que o Centro de Investigação Verdadeiramente Catita (CIVC), por apresentar razões de Direito e de Mérito, constitui-se assim, merecedor de verbas adicionais. Conclui-se que não há nenhuma violação do princípio da justiça e da razoabilidade.
Conclui, assim, o Ministério Público que não houve qualquer violação quer do princípio da igualdade, quer do princípio da justiça e da razoabilidade.
IV.
O art.153.º do Código de Procedimento Administrativo estabelece um dever de fundamentação das decisões administrativas. Dito isto, determina-se no seu n.º1 que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.”. Para além disso, consagra o n.º 2 do mesmo artigo equivaler à falta de fundamentação “a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.”
Este dever de fundamentação visa não só a defesa dos administrados, ao dar a conhecer os motivos que conduziram à tomada daquela decisão, mas também o interesse público. Por isso, impõe-se que a fundamentação contenha todas as razões de facto e de direito atuantes na génese da decisão.
Visto isto, tendo sido o fundamento utilizado para justificar a atribuição da dotação unicamente ao Centro de Investigação Verdadeiramente Catita (CIVC) a “necessidade da subvenção para não se perder o apoio europeu”, consideramos ser esta fundamentação demasiado indeterminada e vaga, uma vez que apenas a menção do fim para o qual essa decisão foi tomada não clarifica em que medida foi necessária uma decisão nessa proporção e, como tal, manifestamente insuficiente.
A consequência da não fundamentação encontra-se no art.163º, n.º 1 do CPA, que estabelece a anulabilidade do ato.
V.
Estabelece-se no artigo 12º do Código de Procedimento Administrativo o direito dos particulares participarem na tomada de decisões da Administração Pública, segundo o qual caberá aos órgãos da mesma assegurar a participação dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito. Esta participação assenta na ideia de que o particular não pode ser alvo de uma decisão se não for ouvido. Ora, consideramos que o direito de audiência dos interessados é um direito fundamental - de caráter procedimental - previsto nos artigos 11º e 12º do Código de Procedimento Administrativo e regulado nos artigos 102º do mesmo diploma.
Segundo este direito de audiência prévia, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final. Como supra mencionado, este dever não se encontra factualmente constatado pelo que consideramos que este direito dos interessados não foi devidamente respeitado pela Administração.
Embora o Ministério da Ciência e do Ensino Superior tenha assegurado que, segundo critérios objetivos, eram incluídos vinte e dois projetos - dos quais consta o da Faculdade de Arquitetura -, consideramos que o princípio da participação não foi integralmente respeitado, por não constar factualmente a respectiva audiência nos termos do art.121º do Código de Procedimento Administrativo.
Apoiando-se nas opiniões de alguns jurisconsultos, entre os quais, o Dr. Vasco Pereira da Silva e o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, tratando-se da violação de um verdadeiro direito fundamental de caráter essencial para a vida dos particulares, será nulo, nos termos do art.161º, n.º 2, al. d).
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Estando todos os pontos analisados, nada mais nos apraz assinalar.
Maria Sá Monteiro (n.º140120134)
Manuel Cabral de Ascensão (n.º 140120027)
Maria Poças (n.º 140120085)
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