Avançar para o conteúdo principal

O Contrato Administrativo

 O contrato administrativo era, no início, considerado incompatível com o Direito Administrativo  (DA) - Otto Mayer considerava que celebrar um contrato com uma Administração toda-poderosa não fazia sentido, pois correspondia ao trauma da infância difícil do DA (já hoje superado). No quadro da realidade francesa estava em causa a ideia de que a Administração toma decisões unilaterais, aplicando-se na esfera jurídica dos particulares. 

Contudo, nos dias de hoje, é cada vez mais frequente que a Administração Pública procure a colaboração com o particular, por forma a prosseguir os seus fins de interesse público (exigidos por lei), acordando com este os termos em que o dito fim decorrerá. Exemplificando: a Administração poderia celebrar um contrato com um empreiteiro para este realizar certa obra da sua necessidade, sem ter que ser a própria a fazê-lo. Foi o Conselho de Estado que começou a tratar os contratos administrativos como atos administrativos (na perspetiva do privilégio da Administração). Esta utilização dos contratos, por parte da Administração Pública, pode comportar 2 tipos de contrato diferentes, como nos diz o art.200º/1 do CPA: civil, de trabalho ou de comércio, se estiver em causa atos de gestão privada; e administrativo se, no âmbito de atividades de gestão pública, constituir relações jurídicas administrativas (nomeadamente, a sua criação, modificação ou extinção). E esta distinção revela-se fundamental, pois não é todo e qualquer contrato celebrado com outrem (por parte da AP) que é considerado administrativo: tão só aqueles que tiverem um regime jurídico traçado pelo DA. Os contratos públicos são submetidos por lei a um especial procedimento de formação. É um ato jurídico bilateral, de natureza pública, distinguindo-se dos contratos celebrados no Direito Privado (ao abrigo da autonomia privada), que envolvem dinheiros privados e servem, fundamentalmente, interesses privados.

Na nossa ordem jurídica, o contrato administrativo assume-se como uma boa alternativa ao ato administrativo, mas também ao contrato de direito privado: se não houver proibição legal expressa, ou implícita, e se a natureza da relação a estabelecer for compatível com tal forma de atuação, pode (a Administração) adotar o modo contratual para (como já foi acima dito) constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas. É possível que do contrato administrativo surja uma, ou várias, obrigação de praticar (ou não praticar) um ato administrativo. 

Porém, não tendo referido até ao momento, no quadro da realidade francesa dos finais do séc.XIX, com o surgimento dos contratos relacionados com fins públicos, passou a estender-se a proteção dada ao ato administrativo aos contratos administrativos, tendo a doutrina clássica francesa, mais tarde, consagrar uma distinção entre contratos administrativos (que criavam uma relação de submissão, de Direito Público e julgados pelos tribunais administrativos) e os contratos de interesse privado (controlados pelos tribunais comuns) - ambos celebrados pela AP, mas de acordo com regras diferentes (públicas e privadas). Por volta dos anos 70 e 80, esta distinção começou a ser posta em causa pela professora Maria João Estorninho (acabando-se por juntar Marcelo Rebelo de Sousa e o próprio professor Vasco Pereira da Silva), que provou que os contratos administrativos não tinham nada de exorbitante nem correspondiam a nenhuma realidade assente na vontade administrativa, mas que decorriam da lei e da vontade das partes. Mas não só: os contratos de interesse privado não eram de Direito Privado, porque estavam submetidos a regras de Direito Público.

Posto isto, e em gesto de conclusão, termino defendendo a mesma linha de pensamento do nosso professor: não acho que faça sentido estabelecer uma esquizofrenia entre dois tipos de contratos. Aliás, se olharmos bem para a questão, arrisco-me a dizer que, quer o contrato administrativo, quer o contrato de interesse privado (ambos celebrados pela Administração Pública), "são farinha do mesmo saco": utilizando o argumento da professora Maria João Estorninho, ambos decorrem da lei e da vontade das partes - não propriamente da vontade administrativa.


Fonte: Manual do professor Diogo Freitas do Amaral e aulas do professor Vasco Pereira da Silva.

Lourenço Chambel - 140120136

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Petição Inicial

Meritíssimo Juiz de Direito, Florbela Betão, nascida em 04.05.1967, portadora do número de CC 55555555, com residência na Avenida da Liberdade e Diretora da Faculdade de Arquitetura enquanto representante desta instituição, Vem, nos termos dos artigos 58º e segs., do CPTA, intentar a presente ação administrativa contra o antigo titular das Finanças, e atual vice-Reitor do ISER e contra o próprio Ministério das Finanças.  Visando: A) A determinação deste ato administrativo como ilegal e portanto a sua anulação.  B) Que a Administração Pública elabore um novo despacho em que incluísse o financiamento também do Centro de Investigação para Estética dos Edifícios Públicos, da Faculdade de Arquitetura.  Dos factos: 1. Foram apresentados 22 projetos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior. 2. O Ministério da Ciência e do Ensino Superior apresentou estes projetos por considerar que todos tinham mérito para receber financiamento. 3. Estes projetos estavam em igua...

À descoberta do sentido do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa:

Importa primeiro dizer que, o artigo 266º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, que fala na prossecução do interesse público por parte da Administração Pública, não é critério único da ação administrativa. Seguindo a lógica é óbvio que há que prossegui-lo, no entanto, essa persecução ocorre mediante o respeito simultâneo dos direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares. Podemos dizer que o nº1 do referido artigo apresenta uma certa dualidade de princípios que se concretizam na prossecução do interesse público e, também, no respeito pelos particulares, mais concretamente, no respeito pelos direitos do mesmo. De notar que apenas se a lei permitir e se se encontrar uma justificação razoável, a Administração Pública pode pôr em causa, numa decisão, os direitos supramencionados, podemos então concluir, que, nunca haverá um desrespeito pelos direitos dos particulares. Deixar em gesto de nota que, partilho da opinião do Professor Vasco Pereira da S...

Post Rodrigo Sousa da Câmara Martins Ferreira - A relevância do procedimento administrativo na Contratação Pública

 Por impossibilidade de acesso ao blogue por problemas de compatibilidade do e-mail, eu Rita Reigadas deixo em seguida o post da autoria do colega Rodrigo Sousa da Câmara Martins Ferreira com o número de aluno 140120515 a pedido deste. A relevância do procedimento administrativo na Contratação Pública Numa sociedade com um Estado, que deseja ser interventivo na vida social e no mercado, requer-se a utilização de mecanismos jurídicos e procedimentais para satisfazer os seus objectivos. A intervenção do Estado pode ocorrer através de dois principais mecanismos, nomeadamente; a legislação, por exemplo através da proibição do exercício de certa actividade profissional ou não; e a aquisição de bens/produtos/serviços, como por exemplo através de um contrato público para a aquisição de uma plataforma digital para uma entidade pública. Para o exercício de poderes legislativos o Estado socorre-se dos mecanismos constitucionais, que legitimam a Assembleia da República e o Governo (també...