Contratação pública
Durante muito tempo o Direito Administrativo era atocêntrico e os contratos eram malvistos no Direito Europeu. No entanto, no final do séc. XIX e no quadro da realidade francesa, quando surgem os contratos relacionados com fins públicos, estendeu-se a proteção dada ao ato administrativo, aos contratos administrativos. Isto nasceu por uma razão prática e não doutrinária. Contudo, esta realidade prática transformou-se num conceito teórico e a doutrina clássica francesa resolveu consagrar uma distinção entre:
- Contratos administrativos de direito público apreciados pelos tribunais administrativos, com um conceito contratual, mas que criava uma relação de submissão (efeitos de atos administrativos);
- Contratos de interesses privados, que eram controlados nos tribunais comuns.
Nos anos 70 e 80 a doutrina começou a pôr em causa esta distinção. Em Portugal, foi a Professora Maria João Estorninho que provou que os contratos administrativos não tinham nada de exorbitante, não correspondiam a nenhuma realidade assente na vontade administrativa, mas que decorriam da lei e da vontade das partes. Os contratos de Direito Privado também não eram de Direito Privado, uma vez que estavam submetidos a regras de Direito Público. Esta discussão gerou uma divisão na doutrina. Alguns concordavam que não era necessária a distinção, mas apenas a regulação de toda a contratação pública, outros, mais clássicos, como Freitas do Amaral, continuavam a distinguir. O Professor Vasco Pereira da Silva é da opinião de que não faz qualquer sentido estabelecer uma esquizofrenia entre dois tipos de contratos.
As alterações surgiram não devido à discussão nacional, mas sim no âmbito do Direito da UE, nos anos 90. A UE queria regular, em todos os países da UE, todos os contratos. Para isso, regulou os “contratos públicos”, que correspondem ao exercício da função administrativa, onde cabem os anteriores contratos administrativos e os anteriores contratos privados. Após isto, o Código de Processo dos Tribunais Administrativos também acabou com a distinção, porque não há mais diferença na apreciação pelos tribunais administrativos ou comuns, visto que todos os contratos em que intervém a Administração Pública são hoje da competência dos Tribunais Administrativos. No entanto, o fim da distinção surge realmente com o Código dos Contratos Públicos.
Em 2014 a UE estabeleceu um novo regime da contratação pública. Portugal incumpriu tais normas, ignorando-as. Produz um novo código imperfeito do ponto de vista do cumprimento da legislação europeia. Como tal este novo código foi vetado pelo Presidente da República. Mais tarde, após alterações feitas pelo Governo, o novo código é promulgado pelo Presidente da República. Esta não era a sua verdadeira vontade uma vez que a distinção esquizofrénica permanecia. Com isto, passámos a ter uma regulação geral para todos os contratos.
Atualmente existe entende-se que o contrato é público, regulado pelo direito público e da competência dos tribunais administrativos, existindo um regime comum.
Fontes: Apontamentos das aulas do Professor Vasco Pereira da Silva; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Vol. II (4ª ed., Almedina, Coimbra, 2020).
Gilberta Outeiro de Carvalho
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