Contratação Pública: Apreciação de uma notícia recente
No âmbito do Direito da Atividade Administrativa, estão presentes algumas doenças que foram estudadas ao longo do curso, casos de “esquizofrenia”. Atualmente, muitos deles não estão enfrentados, simplesmente se aprendeu a lidar com tal. Essa “esquizofrenia” tinha presente uma dualidade, que foi posta em causa nos anos 80. Esta dividia-se em contratos ditos administrativos (leis aplicáveis e normas processuais de natureza pública e tribunais administrativos) e em contratos ditos privados (regulados pelo Código Civil, existiam no âmbito administrativos, mas eram celebrados de forma igualitária aos celebrados por particulares). Contextualizando, esta surgiu em França, oriunda de razões processuais, bem como de razões de ordem prática. De um ponto de vista doutrinário, em Portugal, com a pioneira, professora Maria João Estorninho, foi contestado a noção de contrato administrativo. Na sua tese “ Requiem pelo Contrato Administrativo” , afirma que o não faz qualquer sentido a dualidade do conceito e que não tenham um regime único, sendo que o que está posto é o exercício da função administrativa. Através desta obra inovadora, na época surgiam grandes discussões relativamente a este tema. Hoje em dia, através das diretivas europeias, nos anos 90, esta dualidade extinguiu-se e impôs uma unidade da figura, Contratação Pública. A União Europeia, então implementou regras comuns a determinados contratos; estabeleceu princípios gerais em matéria contratual e ainda determinou procedimentos de atuação, sendo que a regra seria o concurso público. Todavia, o legislador português quis manter traços que decorreram dessa “esquizofrenia” oriunda do século XIX. O fim desta dualidade surge com o Código dos Contratos
Seguidamente, após esta contextualização simplificada, é de extrema seriedade explicar resumidamente o conceito em questão. Na Contratação Pública reflete o procedimento de formação dos contratos públicos. Procedimento este que inclui um conjunto de atos e formalidades inerentes à sua formação, à conclusão, bem como à produção de um contrato público com eficácia jurídica. As suas regras estão estabelecidas no Código dos Contratos Públicos.
Sirvo-me de tal, para comentar uma notícia acerca da contratação pública, prosseguindo para a notícia. Ora, esta surge no âmbito do I Congresso do Direito da Construção, que se realizou nos dias 10 e 11 de março de 2022. Ora, Diogo Duarte Campos, sócio coordenador e Joana Brandão, associada coordenadora da área do Direito Público da PLMJ afirmaram ao Negócios, numa entrevista que “sem prejuízo de poder haver sempre aspetos a melhorar, a contratação pública em Portugal é aberta e transparente". Ao longo da entrevista foi-lhes questionado inúmeras perguntas acerca do congresso, incluindo questões essenciais para o Direito Administrativo e por isso, entre as demais , as seguintes são as que demonstram maior relevância jurídica: “As alterações recentes ao Código dos Contratos Públicos que impacto tiveram no setor de construção?”; “Era ou não necessário introduzir mudanças na lei para dar maior transparência ao processo da contratação pública?” “Quais são as consequências da falta de celeridade na justiça?”
Relativamente à primeira questão, Diogo Duarte Campos, não crê que as alterações ao Código dos Contratos Públicos tenha tido muita significância quanto ao setor da construção, na medida em que só seria relevante para obras até 750.000 euros. Ora, as alterações realizadas ao Código dos Contratos Públicos foram publicadas através do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro. Tanto altera como acrescenta diretivas europeias sobre as seguintes matérias: sobre adjudicação de contratos de concessão; contratos públicos e faturação eletrónica nos contratos públicos. Neste caso em concreto, Diogo Duarte Campos está certo quanto à indiferença das alterações do Código dos Contratos Públicos em relação à construção, uma vez que a alteração simplesmente simplifica regras para contratos com valor superior a 750.000 euros para os demais serviços previstos na lei.
Quanto à segunda pergunta, o mesmo responde que não é um problema presente hoje em dia em Portugal, achando, porém, que a Contratação Pública possa ser ainda melhor. Afirma ainda, em suas palavras, que esta é “ aberta e transparente”. Com isto, penso que esteja a elogiar a Contratação Pública, ja que é uma fonte de incremento comercial local, e consequentemente que permite economias de escala, daí a sua abertura. Além disto, afirma ser transparente, sendo que, creio que o Código dos Contratos Públicos, ao longo da sua modernização, é um instrumento de imensa importância para a sua transparência, sendo que rege a regra da desmaterialização total dos procedimentos pré-contratuais. Isto é, implica uma certa publicidade nos anúncios dos Concursos Públicos , a fim de os interessados tenham a possibilidade de tomar conhecimento de informações necessárias e avaliações de propostas. De notar que a Contratação Pública é uma das atividades que apresenta níveis de corrupção elevados no setor público. Portugal, tem se demostrado eficiente nos avanços desta, na medida em que se criou o portal dos contratos públicos, de nome Portal BASE, de forma a informar sobre todos os contratos celebrados ao brigo do Código dos Contratos Públicos. Além disto, o Observatório das Obras Públicas permitiu também o avanço, na medida em que consta de informação estatística acerca da contratação Pública.
Em relação à pergunta “Quais são as consequências da falta de celeridade na justiça?”, mostra estar receoso perante a demora das decisões dos tribunais administrativos, uma vez que sustenta que se o Estado continuar a forçar os empreiteiros para estes tribunais uma “decisão pode demorar mais de 10 anos”. Penso que seja de incómodo profundo perante todos os juristas e até cidadãos comuns que os tribunais portugueses, por regra, são maioritariamente vagarosos jurisdicionalmente, tal se verifica, pois, existe uma ausência de mecanismos administrativos no sistema. Portugal relativamente aos restantes países da Europa, ocupa o 11.º lugar no âmbito da lentidão da justiça. É, de facto, uma situação alarmante. Porém, Malta consegue estar numa posição pior que o nosso país. Mas nunca nos devemos guiar e proceder a comparações medíocres, mas sim tentar enfrentar todos os problemas de que a justiça sofre. Por isso, Portugal não deve, pois, olhar numa posição em que há países em situações piores. Portugal deve analisar a posição que ocupa e conseguir encontrar soluções para ser o melhor e conseguir decidir sentenças em menos de 323 dias, que é a média de dias nos restantes países europeus. Esta lentidão que se verifica, é constante mesmo até em processos que não são complexos. Deste modo, é notável que os portugueses vejam os seus direitos a serem violados, fundamentando que não são ouvidos em tempo aceitável, pondo em causa o direito fundamental consagrado nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Em último lugar, embora a Contratação Pública ter tido uma infância difícil, devido ao seu caso de esquizofrenia, através da União Europeia o conceito tornou-se mais amplo e unificado, facilitando então o conceito e a sua aplicação. Deste modo, apesar de ainda haver pequenos problemas em relação a esta, creio que se tem se estado a modernizar o sistema e caminhando para a maior transparência possível, não obstante de se poder evoluir para o ideal.
Bibliografia:
MARIA JOÃO ESTORINHO “Requiem pelo Contrato Administrativo”, Almedina, Coimbra, 1990.
Apontamentos das aulas relativamente a esta matéria.
Negócios. (2022, março 3). A contratação Pública em Portugal é aberta e transparente. Pjml.com. Recuperado maio 11, 2022 em : https://www.plmj.com/xms/files/Noticias/marco/A_contratacao_publica_.pdf
Open Government Partnership Portugal. Reforço da Transparência na Contratação Pública. Ogp.eportugal.gov.pt. Recuperado em maio 11, 2022 em: https://ogp.eportugal.gov.pt/-/reforco-da-transparencia-na-contratacao-publica
Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção. (2017, setembro 1) . Alteração ao CCP-Publicação em diário da República. Base.gov.pt. Recuperado em maio 11, 2022: https://www.base.gov.pt/Base4/pt/noticias/2017/alteracao-ao-ccp-publicacao-em-diario-da-republica/
Miguel Nogueira de Brito. ( 2011, Janeiro). Os Princípios Jurídicos dos Procedimentos Concursais. Contrataçãopublica.com.pt. Recuperado em maio 10, 2022: https://www.contratacaopublica.com.pt/xms/files/Bibliografia/os_principios_juridicos_dos_procedimentos_concursais.pdf.pdf
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