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Ato administrativo - A evolução do conceito e as divergências resultantes do artigo 148º

 


    A Administração pode exercer o poder administrativo de variadas maneiras, pode emanar regulamentos administrativos, praticar atos administrativos, celebrar contratos administrativos, ou ainda atuar através da prática de operações materiais.

    Inicialmente no século XIX a lógica que vigorava era a da Administração agressiva, e por isso a atuação administrativa resultava no ato da Administração Polícia. Ato este que impunha uma vontade em relação ao particular e que vigorou em Portugal até aos anos 80. Quando olhamos para o ato administrativo é necessário ter em conta a sua realidade histórica, mas também perceber que este é uma realidade que sofreu evoluções e que atualmente em pouco se assemelha com a realidade do século XIX.

    A noção de ato polícia é caracterizado por duas ideias principais, a definição do direito e a suscetibilidade da execução coativa contra a vontade do particular. 

    Otto Mayer aproxima as funções administrativas e judiciais, considerando-as funções idênticas de execução do direito, entendendo ainda que a decisão do poder administrativo goza de suscetibilidade de execução coativa contra a vontade do particular. Assim, na lógica deste, o ato administrativo definia e executava o direito, e era o centro do direito administrativo.

    Embora chegue a uma conclusão semelhante, Maurice Hauriou parte de um raciocínio distinto ao de Otto Mayer. Compara o ato administrativo ao negócio jurídico, e refere que aquilo que resulta desta comparação é a ideia de que o ato administrativo é um conjunto de poderes ou privilégios exorbitantes da Administração, privilégios este que eram a definição do direito e a suscetibilidade de execução coativa.

   Na realidade portuguesa, o conceito de ato administrativo é teorizado em primeira linha por Marcello Caetano, que com os contributos de Otto Mayer e de Maurice Hauriou, dá origem à teorização do ato administrativo executório. Marcello Caetano, tem uma perceção do ato administrativo executório como a última vontade da Administração praticado pelo órgão de topo da Administração Pública. Era, portanto, um ato que definia o direito, e por isso dizia-se definitivo. Para além disso uma vez que este ato era suscetível de ter execução coativa contra a vontade do particular, está também ligado à ideia de executoriedade.

    Freitas do Amaral, numa primeira instancia, adota o conceito de Marcello Caetano acrescentando a ideia da tripla definitividade do ato administrativo. A tripla definitividade consiste num ato detentor de uma definitividade material (define o direito aplicável ao particular no caso concreto), definitividade horizontal (a ideia de que “o que interessa” é apenas a decisão final) e de uma definitividade vertical (era um ato praticado pelo órgão de topo da Administração Pública). Isto coloca o ato administrativo no topo de tudo como última vontade da Administração.

    O estado social leva a que o estado tenha novas funções a desempenhar, levando a que o modelo da Administração se transforme e a Administração passe a ser prestadora. Este modelo do estado social tinha um papel na vida económica, social e cultural, e para além disso atribuía direitos e benefícios aos particulares. Com o modelo da Administração prestadora, a Administração usa o direito para satisfazer as necessidades coletivas, mas não define o direito, quem o faz é o juiz. A ideia de definitividade deixa então de fazer sentido.

    Assim sendo a ideia da tripla definitividade é questionada. A definitividade material já não se verifica, na medida que o ato administrativo não define o direito. Em relação à definitividade horizontal, a decisão vai ser tomada no quadro do procedimento em vários momentos, pelo que deixa de ser correto afirmar que o que interessa é apenas a decisão final. Por fim em relação à definitividade horizontal, com o fenómeno da desconcentração de poderes, esta deixa de fazer sentido.

    A noção de ato administrativo no estado social é uma concepção de um ato que não é definitivo, nem é executório, este diferente do que vimos até agora, cria vantagens e direitos para os particulares. A vista disso, o ato não é executório pois se o ato é favorável este não pode ser executado contra a vontade dos particulares.

    Com o estado pós-social é introduzida uma nova realidade, o ato com eficácia múltipla. Assim é necessário encontrar um conceito que inclua o ato polícia, o ato da Administração prestadora, e o ato com eficácia múltipla, característico da administração do estado pós-social.

  As concepções de ato administrativo podem ser em muito distintas, nomeadamente em termos de amplitude, tendo algumas uma dimensão mais ampla e outras uma dimensão mais fechada, ou em termos do que valorizam, sendo que em algumas o valor centra-se no ato administrativo em si e em outras valorizam-no no quadro do procedimento e da relação jurídica.  

    O artigo 148º do CPA apresenta o conceito de ato administrativo, no entanto este conceito apresentado pelo legislador dá aso a divergências na doutrina, na medida que se discute se este artigo apresenta uma visão ampla de ato administrativo ou uma visão mais restrita.

    O Professor Freitas do Amaral parte do conceito amplo de ato administrativo, isto é ato como simples produtor de efeitos jurídicos, no entanto depois reduzia o ato administrativo à noção de ato definitivo e executório. Esta noção como dito anteriormente já tinha desaparecido, pelo que leva o autor a aderir ao conceito do ato regulador da escola de Coimbra.

    Esta noção, menos restritiva do que a ideia de ato definitivo executório, vem introduzir a ideia de que o ato administrativo tem de produzir efeitos jurídicos novos, e que este tem uma natureza reguladora.

    A posição defendida pelo Professor Mário Aroso de Almeida é uma posição intermédia. Este coloca o acento tónico na palavra “externo”, distinguindo entre atos que só produzem efeitos para fora da Administração Publica e em relação aos particulares, e os atos que produzem efeitos internos dirigidos aos órgãos administrativos dentro da Administração Pública. Mário Aroso de Almeida entende então que só os atos administrativos que produzem efeitos externos é que são os ditos verdadeiros atos administrativos, e que esses sim são reguladores.

    O Professor Vasco Pereira da Silva, não concorda com a construção feita pelo Professor Mário Aroso de Almeida, entendendo que atualmente qualquer ato produz efeitos internos e efeitos externos. Não existem relações apenas internas, tudo o que se passa no cerne da Administração é simultaneamente interno e externo. Assim sendo o Professor não entende que se deva fazer uma interpretação restritiva ao artigo 148º. Considera, no entanto que este artigo acerta quando caracteriza o ato em relação à produção de efeitos, colocando o critério do efeito jurídico como critério caracterizador do ato administrativo.

 

Fontes:

              AMARAL, Diogo Freitas - Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição

              Aulas Teórico-práticas do Professor Vasco Pereira da Silva

 

Rita Bento – Turma 1 – 140120116

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