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Apreciação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça N.º do processo: 1/18.2YFLSB

 Apreciação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

 N.º do processo: 1/18.2YFLSB 

Através do Estado social, surgiram os Tribunais Constitucionais e  a  Constituição passou a ser considerada uma norma jurídica. Logo, atualmente  reconhece-se tanto o  Direito Administrativo, como Direito Constitucional concretizado. Existiu, portanto, na  visão de Fritz Werner,  uma lógica de constitucionalização do Direito Administrativo. Esta introduziu uma dupla tendência nos termos da secreção de Eberle. Por um lado, o Direito Administrativo depende do Direito Constitucional, visto que  Direito Administrativo realiza as opções que estão na Constituição acerca da Administração Pública, do seu funcionamento e do seu controlo. Por outro lado, a  Constituição regula a organização administrativa, bem como os princípios fundamentais da Administração Pública (igualdade, imparcialidade, boa-fé, justiça, entre outros); estabelece regras de procedimento, regras de processo administrativo e tudo isso tem que ser realizado pelo Direito Administrativo. 


Desempenhada uma breve introdução, o acórdão a analisar incide sobre o princípio da imparcialidade, nomeadamente em matéria de suspeição. Deste modo, é imprescindível esclarecer alguns conceitos, a fim de poder realizar uma análise concisa do caso real em questão.

 

Em primeiro lugar, ao olhar para a Constituição, denota-se que o artigo 266.º estabelece um conjunto de princípios fundamentais para a Administração Pública. Estes são pois diretamente aplicáveis e vinculativos à Administração. Contudo, dentro dos demais princípios centrar-me-ei num princípio em específico, já que é o relevante para o caso em concreto, de nome princípio da imparcialidade. Este ainda consta do artigo 9.º do CPA, que dita que nenhum órgão do poder político pode ter interesses adicionais. Isto é, a autoridade administrativa tem de decidir sem qualquer interesse direto na matéria em questão. Por isso, o órgão do poder público não pode decidir em interesses seus, tais como do seu filho, afilhado, amigos próximos etc. Somente pode decidir em razão do interesse publico e não pessoal. Desta forma, é notável que caso haja algum interesse direto na sua decisão, existe ilegalidade.  

 

Este conceito é ainda regulado no Código de Procedimento Administrativo com duas realidades que estão presentes nos termos do artigo 69.º e seguintes. Num primeiro momento, este artigo estabelece causas de impedimentos. Por isto, entende-se por uma situação em que se encontra qualquer órgão ou particular que tenha interesse direto na decisão ou mesmo que tenha interesse no âmbito de uma relação em que esteja presente a intervenção do cônjuge, um parente em linha reta, entre os demais previstos do número um do presente artigo.  Na violação da imparcialidade, existe um conjunto de casos graves, e por isso, o legislador determinado que o titular do órgão, se deve declarar como impedido, isto é, não pode tomar uma decisão ou participar nela. Caso o titular não se declare como impedido, um outro particular ou terceiro pode suscitar impedimento. A decisão pode até mesmo ser ilegal, em situações em que o próprio continue a participar na decisão. O artigo 76.º estabelece uma sanção de anuabilidade para essas situações.


Num segundo momento, existem as suspeições e escusas: casos em que pode haver suspeitas se os titulares de cargos políticos intervierem naquela decisão. O que acontece é que se alarga o âmbito de pessoas afetadas por essa realidade. Trata-se de amigos íntimos ou inimigos; quem recebe dávidas entre outros casos nomeados no artigo 73.º/1. Assim sendo, se existe qualquer posição de vantagem, significa que esse órgão não pode decidir, já que se atribui um motivo de suspeita. Esta medida moraliza, no sentido em que o exercício do poder resulta como vinculação imediata, mesmo em exercício do poder discricionário. Relativamente a estes casos, é o juiz que decide caso a caso, dependendo da importância da dávida.

 

Dando como terminada a anterior abordagem teórica vejamos, então, o caso em questão. Este é centrado num caso de suspeição de uma juíza. Ora, a Juíza Desembargadora requerente é casada com um militante de um partido político, que por sua vez o arguido  recorrente, no processo n.º122/13.8TELSB, também é militante e antigo secretário-geral. O arguido suscitado da forma “BB” foi Primeiro-ministro de Portugal em dois governos do Partido Socialista. O arguido apresentou na 1.ª instância um pedido de declaração de impedimento  do Sr. juiz de instrução no  mesmo processo, invocando o artigo 40.º, al. a) e c) do Código de Processo Penal. O juiz não reconheceu a existência de qualquer impedimento, tendo por isso, o arguido interposto recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por sua vez, este recurso foi entregue à juíza desembargadora já enunciada anteriormente. Em 2013, o marido da juíza candidatou-se a Presidente da Câmara Municipal pelo mesmo partido, e no âmbito dessa campanha autárquica, a requerente foi fotografada como seu marido e seus filhos e sogro, aquando da composição da comissão de honra dessa candidatura. 


Como tal, o conselho superior de magistratura tendo tomado conhecimento dessas fotografias considerou que a requerente violou o artigo 11.º/1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por isso, aplicou uma oena de advertência não registada. É , por isso, que poderá surgir uma ilegalidade. 

Porém, a requerente admite  junto do CSM, que cumpriu os seus deveres estatuários de forma imparcial, dizendo que nunca tinha participado em campanhas do seu marido. Esta não reconhece, nem nunca conviveu com o arguido, nem através do seu marido. Simplesmente, o marido se relacionou com o arguido no âmbito da política.  

 

Perante estes factos, é notável que poderá gerar uma desconfiança no sistema de justiça, por parte dos cidadãos, quanto à imparcialidade da decisão que viesse a proferir. Por consequência, é essencial apreciar a situação. No Código do Processo Penal, através dos artigos 39.º a 47.º,  garante-se a segurança na confiança da sociedade quanto à justiça e sua administração. Então, de forma a tutelar a imparcialidade dos tribunais e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, todas as causas devem ser julgadas por um tribunal competente e não por um juiz arbitrário, e com critérios objetivos. Neste caso, um critério individual objetivo de suspeição, a fim da suspeição ter como consequência  num afastamento do juiz. Este critério  concretiza a atuação do juiz e aos condicionalismos que a rodeiam. 

Não é, portanto, necessário demonstrar uma falta de isenção e imparcialidade, mas em vez de tal adotar uma perspetiva do cidadão comum, de um Homem-médio. 

 

Em suma, o caso centra-se nos termos dos artigos 69.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, já  que se trata de uma situação em que um órgão do poder público, uma juíza tratou de um recurso em que o arguido pertencia ao mesmo partido político do seu marido. Mesmo que não tenha havido um interesse direto na decisão é notável que à luz da experiência de um cidadão comum, a sociedade encara-a com desconfiança e parcialidade. Além do mais, não podia ter sido a juiza a decidir, tendo em vista que a sua intervenção no processo de recurso em causa, consiste numa ilegalidade, pois dito novamente, o arguido era um Ex-Primeiro-Ministro, conhecido pelo seu marido. Isto funda incerteza na comunidade quanto à justiça aplicada. 


Bibliografia:


DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2018.


VASCO PEREIRA DA SILVA, «Direito Constitucional e Administrativo sem Fronteiras», Almedina, Coimbra, 2019.


Aulas compreendidas no âmbito da matéria acerca dos princípios fundamentais da Administração Pública.






Carolina Santos (140120521), turma 1 





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