Análise do
acórdão do supremo tribunal de justiça, processo- 145/11.1YFLSB
Link do acórdão:
Sumário.
O caso em estudo prende-se com uma deliberação do plenário do
conselho superior da magistratura (CSM) de 18-10-2011, no âmbito de um concurso
público para o acesso ao cago de Juiz do supremo tribunal de justiça, em que a
um dos candidatos, o recorrente, foi atribuída uma pontuação inferior relativamente
ao fator indicado no art. 52º,nº1 alínea b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais
(EMJ), que estabelece que: “A
graduação faz-se segundo o mérito relativo dos concorrentes de cada classe,
tomando-se globalmente em conta a avaliação curricular, com prévia observância
do disposto no número seguinte e, nomeadamente, tendo em consideração os
seguintes fatores:
(...)
b) Graduação obtida em concursos de habilitação
ou cursos de ingresso em cargos judiciais;”.
Nesta matéria, ao recorrente foi
atribuída uma pontuação de 2 valores enquanto que aos restantes candidatos, nas
mesmas situações em que o primeiro se encontrava, foram atribuídos 3 valores.
Neste sentido o tribunal, a pedido do
candidato a quem foi atribuída a pontuação de 2 valores, vai questionar a deliberação
levada a cabo pelo CSM tendo em consideração princípios como o da igualdade,
imparcialidade e proporcionalidade, que vinculam a administração.
As alegações do
recorrente:
O candidato do concurso público
alega, numa primeira instância que, a sua participação no mesmo foi classificada em 12º lugar e que, segundo
as regras do concurso estabelecidas pelo próprio júri foi entendido que “não existindo
elementos relevantes de ponderação pelo que concerne ao fator da alínea b) do
nº 1 do art. 52º do EMJ, deve ser conferida, quanto a este item, uma pontuação
inerente ao nível médio, de 3 pontos, sendo ainda que, de um lado,
relativamente aos graduados nos segundos e terceiros lugares, a graduação
atingiria 4 pontos e o primeiro 5 pontos”. Posto isto, à grande parte dos
concorrentes foi atribuída a pontuação de 3 valores sobretudo aos que
frequentaram o III Curso de Qualificação do Centro de Estudos Judiciários para
o ingresso na magistratura judicial.
Ainda assim, o
recorrente alega que, na matéria relativa á alínea b, do art.52º, nº1 do EMJ,
foi graduado com 2 de pontuação ficando sem perceber o motivo desta atribuição.
Posto isto, o candidato do concurso considera que o CSM violou, com a sua
deliberação vários princípios constitucionais tal como o princípio da igualdade.
Considera ainda estar perante uma omissão por falta de fundamentação
relativamente à pontuação atribuída nos termos do art. 23º, nº2 da Portaria nº
83-A/2009, que estabelece que: “As deliberações do júri devem ser fundamentadas e registadas
por escrito, podendo os candidatos ter acesso, nos termos da lei, às atas e aos
documentos em que elas assentam.” Bem como nos termos do art. 268º, nº2 da CRP que
estatui que:”. Os cidadãos têm também o direito de acesso
aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em
matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à
intimidade das pessoas.” Por último o requerente invoca como fundamento da
omissão de fundamentação os arts. 124º, nº1; 125º, nº1; 135º e por fim 136º do
Código de Procedimento Administrativo.
O requerente argui, além do que já foi referido que, na matéria da
alínea f) do nº1 do art. 52º do dos EMJ que prevê que: “A graduação faz-se segundo o mérito
relativo dos concorrentes de cada classe, tomando-se globalmente em conta a
avaliação curricular, com prévia observância do disposto no número seguinte e,
nomeadamente, tendo em consideração os seguintes fatores:
(...)
f) Outros fatores que abonem a
idoneidade dos requerentes para o cargo a prover.”
Este, quer no respeitante ao prestígio profissional e cívico, quer à
qualidade dos trabalhos e ao grau de empenho na formação e adaptação às
tecnologias deveria ser pontuado de forma igual relativamente aos graduados em
4º, 5º e 9º lugares, tendo em conta que, a sua situação não é desigual á
destes. Assim, em vez de ter recebido 93 de pontuação, deveria ter recebido 98
pontos com base em critérios de igualdade e imparcialidade.
Foram então violados os princípios da igualdade, proporcionalidade,
justiça e imparcialidade que vinculam a atuação administrativa e que quando desrespeitados
são motivos de anulação do ato com base no art. 13º da CRP e os arts. 5º e 6º do Código de
Procedimento Administrativo, acrescentado o fator da falta da fundamentação nos
termos do art.268º, nº2 da CRP e 124º, nº1 alínea a) e 125º, nº1 e 135º e 136º
do Código de Procedimento Administrativo
Desta forma, o requerente, termina pedindo a anulação da deliberação
devido á pontuação que lhe foi atribuída relativamente às matérias das alíneas
b) e f) do nº 1 do art. 52º doEMJ. Ainda
juntou uma série de documentos e indicou os concorrentes graduados em 9º, 10º e
11º lugares como possivelmente afetados pelo recurso, solicitando desta forma a
respetiva citação
Contra-alegações do recorrido
O CSM veio, em fundamento articulado, reconhecer, por um lado, que houve
lapso e consequente erro naquela que foi a pontuação atribuída ao candidato do
concurso na matéria que consta no art. 52º, nº1, alínea b) EMJ, na graduação do 13º
Concurso de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e que a pontuação que deveria
ter sido dada era 3 e não 2, mas acontece que, o lapso não resulta numa
modificação, por si só, da graduação do
recorrente e que, por esta razão, o erro não deverá ser fundamento para a
anulação da deliberação impugnada.
Por outro lado, o CSM alega que o vicio de falta de fundamentação da
deliberação em causa não se verifica na parte tocante à pontuação atribuída ao
recorrente no fator f) do nº1 do art. 52º do EMJ.
Acrescenta ainda que os princípios
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça ou da imparcialidade não foram
violados com a deliberação feita pelo Conselho.
Desta forma conclui pedindo da
improcedência do recurso.
Importa informar que o ilustre
Magistrado do Ministério Público, no parecer que realizou, tomou posição no
sentido da improcedência do pedido.
Factos provados-
-Foi declarado aberto o XIII concurso curricular de acesso ao Supremo
Tribunal de Justiça, nos termos do art. 50º e seguintes do EMJ, publicado pelo CSM
em Diário da Républica;
-No ponto 6 do citado aviso consta que o concurso tem natureza
curricular, “sendo a graduação feita segundo o mérito relativo dos concorrentes
de cada classe, tomando-se globalmente em conta a avaliação curricular, nos
termos do art. 52º do EMJ”;
- O recorrente
concorreu ao concurso como candidato;
-OCSM, por
deliberação, procede à graduação dos candidatos, sendo que o recorrente obtém a
pontuação de 176 pontos ficando então em 12º lugar num total de 34º candidatos;
-Foi deliberado
que os candidatos devem ser avaliados principalmente em função da qualidade dos
trabalhos e que a avaliação deve ser feita de forma global e evitar uma
apreciação apenas contabilística de fatores previamente considerados que
criaria injustiça no resultado final;
-Foi ainda
deliberado que depois da análise dos processos dos candidatos os membros do
júri remetem o relatório para oCSM, com indicação de três trabalhos forenses
que se destacam a fim de esses elementos serem distribuídos pelos restantes
membros do júri;
- Sabe-se que o
júri realizou reuniões para uma harmonização dos critérios avaliativos do art. 52º, nº1 do EMJ, ficando estabelecido que a
avaliação deve ser com base no mérito de cada candidato relevando a qualidade
dos trabalhos, evitando uma apreciação com base apenas no resultado da adição
pontual;
- Consta que foi
sobrelevado na avaliação global o fator presente na alínea f) do nº1 do art. 52º do EMJ devido a possíveis injustiças que
poderiam ocorrer;
-Consta da deliberação
que ficou estabelecido que os resultados obtidos na licenciatura
corresponderiam a uma pontuação de 1, 2 ou 3 consoante a nota se situasse entre
10 e 11, 12 e 13, 14 ou mais respetivamente;
- No que toca ao fator da al. b), do nº 1 do art. 52º do EMJ, o Júri decidiu que não existindo
elementos relevantes de ponderação, deve ser conferida uma pontuação inerente
ao nível intermédio, de 3 pontos, sendo ainda que, de um lado, relativamente
aos graduados nos segundos e terceiros lugares, a graduação atingiria 4 pontos
e o primeiro 5 pontos;
- Na lista de graduação do III Curso de qualificação dos Juízes
de Direito em regime de estágio que o ora recorrente surge graduado no grupo
dos aptos, em condições de exercer funções, mas, por ora, apenas em comarcas de
ingresso, em 30º lugar, num conjunto de 34;
-Não consta de processo de candidatura qualquer outro
elemento relevante para o item da al. b) do nº 1 do art. 52º do EMJ.
Fundamentação da decisão
Em função do teor das conclusões do recorrente, são levantadas
duas questões:
“A) É anulável a deliberação
impugnada no tocante à pontuação atribuída ao recorrente relativamente ao
factor da al. b) do nº 1 do art. 52º do EMJ?
B) E é, ainda, anulável no que
respeita à pontuação conferida ao factor da al. f) do nº1 do mesmo art. 52º?”
De modo a fundamentar as
respostas às perguntas em cima referidas, é feita referência ao acórdão
processo nº 2472/08; ao
acórdão processo nº 01081/09 e por último faz-se referência ao acórdão processo
nº 029505.
De seguida são
esclarecidas as questões.
(A) No que
respeita á primeira questão, o recorrente defende que a deliberação relativa á
pontuação que lhe foi dada quanto ao fator da alínea b) do art. 52º, nº1 do EMJ deve ser anulada, sendo que,
apresenta como fundamentos de anulação o vício de ilegalidade, por erro nos
pressupostos de facto e a violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade,
imparcialidade e justiça. Por último aponta um vicio de forma pela falta de
fundamentação.
O recorrido
admite ter havido um lapso nessa parte da deliberação por não existirem motivos
para não atribuir ao recorrente nesse item a pontuação de 3 pontos, em
consonância com os critérios apontados na mesma deliberação.
Fazendo uma
apreciação diremos que o júri adotou o critério no sentido de que na apreciação
da matéria em causa, não existindo elementos relevantes de ponderação, se
deveria atribuir a pontuação de 3 pontos inerente ao nível médios, sendo que
relativamente ao graduado em 1º lugar seria atribuída a pontuação de 5 pontos e
aos colocados em 2º e 3º lugar a pontuação de 4. Assim, e tendo em consideração
a avaliação da candidatura do recorrente, deveria ter-lhe sido concedida a
pontuação de 3 valores e não apenas 2, como sucedeu. Além disso a deliberação
feita relativamente aos restantes candidatos nas mesmas situações foi de 3
valores e não 2.
Resulta desta
apreciação que o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade foi
clara e inequivocamente violado por tratar diferente situações iguais.
No entanto o
recorrido afirma que o ato em questão consubstanciou um erro que pode ser
ratificado e que vai ser efetuado, porém que como é irrelevante para a
graduação deve ser desvalorizado e não ser tido como fundamento de anulação da
deliberação do CSM. Alega que o vício, se corrigido, não afetaria a pontuação
final pois o candidato que ficou imediatamente à frente do recorrente, nessa
classe, tem uma diferença superior á de um ponto, pelo que não isso não deveria
fundamentar a anulação peticionada.
O tribunal não
concorda com o recorrido. Por um lado, este refere que vai proceder à
ratificação do erro, mas não comprova já tê-lo feito. Por outro lado, havendo
recursos pendentes neste STJ e secção, interpostos por candidatos do mesmo
concurso e classe, nomeadamente de candidatos que ficaram colocados em lugares
posteriores ao do recorrente, continua a ter interesse a potencial anulação da
deliberação peticionada, É que pode ser concedida procedência a algum desses
recursos e com a consequente reparação do vício, haver interesse para a
renovada graduação a efetuar, de tomar em conta a ratificação do lapso cometido
na pontuação do recorrente
Desta forma
procederá esta parte do recurso-
(B) Segundo o recorrente a parte da deliberação
que viola os princípios da igualdade, da imparcialidade da justiça e
proporcionalidade também está ferida do vicio de falta de fundamentação.
Aqui pensa-se
que o recorrente não tenha razão, tal como opinou o ilustre Magistrado do
Ministério Público.
O princípio da igualdade tem
assento na CRP que no seu art. 13º
prescreve: “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade
social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica,
condição social ou orientação sexual.”
O art. 266º, nº2 da lei fundamental prevê que os
órgãos e agentes da administração estão subordinados à CRP e à lei e devem
atuar respeitando os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, da
imparcialidade e da boa-fé. Além disso o art. 5º do CPA prevê a obrigação da administração
respeitar aquele princípio, o que proíbe comportamentos discriminatórios e
obriga a tratar igualmente as situações idênticas.
Citando os constitucionalistas Gomes
Canotilho e Vital Moreira, o âmbito do princípio da igualdade compreende as
seguintes dimensões: a) a proibição do arbítrio, sendo inaceitáveis
diferenciações de tratamento sem um critério material de valor objetivo; b) Proibição
de discriminação, não sendo legitimas distinções de tratamento entre
cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas; c) Obrigação de
diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades.
Já o princípio da proporcionalidade, no
âmbito de regular a Administração Pública está previsto no art.266º, nº2 do
CPA. Este obriga a Administração, no exercício do poder discricionário a
prosseguir os fins legais, o interesse público adotando as medidas necessárias
e adequadas para atingir esses fins e interesses.
Por seu lado, o princípio da imparcialidade
está previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhecendo ao
cidadão um processo equitativo, além disso, a CRP prevê igualmente este princípio
no seu art. 266º, nº2 e o CPA no art. 6º. Segundo este, a Administração Pública
aquando de um conflito entre interesses privados e públicos deve proceder com
isenção na determinação da prevalência do interesse público de modo a não
sacrificar desproporcionalmente os interesses dos particulares, deve ainda atuar,
em face dos cidadãos em igualdade de tratamento
Por último foi invocado pelo recorrente o
princípio da justiça. Este estabelece que a Administração deve pautar a sua
atuação por critérios materiais ou de valores plasmados constitucionalmente,
tal como, a dignidade da pessoa humana, igualdade e proporcionalidade. A
atuação com base nestes princípios materiais resultará numa “solução justa”.
Quanto ao dever de fundamentação, já foram
referidas as características que revestem este dever com a referência ao
acórdão do STA de 12.11.1997, considerando que a obrigação de fundamentação
exigida por lei foi cumprida por preencher as características. Para além de que
o requerente nem apontou em que medida houve falta ou insuficiência daa mesma.
Quanto á violação dos princípios o requerente
salienta que tem mais classificações de Muito bom do que os outros candidatos e
foram obtidas na 1ª instância ao contrário daqueles que, tendo apenas uma ou
duas classificações, foram obtidas na Relação. O requerente aponta ainda o
facto de os seus trabalhos terem sido alvo de publicação ao contrário do que
aconteceu com o colega graduado em 11º lugar. Acrescenta que tem um número
superior de ações de formação que os 3 candidatos oponentes e que o candidato
em 11º foi censurado pela repetição ou colagem de textos em alguns acórdãos
seus, algo que não foi apontado ao recorrente.
Pelo exposto julga-se a ação parcialmente
procedente e por isso se anula a deliberação do CSM de 18.10.2011 por violação
do princípio da igualdade, no entanto julga-se a ação improcedente em relação
ao demais peticionado.
Francisca Magalhães,
aluna 140120175, turma 1.
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