A
noção de ato administrativo tem uma componente histórica que está
irremediavelmente perdida pois tal conceção está intimamente ligada à noção de
Administração Pública e ao modelo de Estado que está em causa:
1) Estado Liberal e uma Admi
O
ato administrativo nasceu com o Estado Liberal, no seio de uma Administração
agressiva e limitada (séc. XVIII e XIX) e caracterizava-se por ser um ato que
se destinava principalmente a garantir a segurança através da polícia e das
forças armadas. Por este motivo, habitualmente denomina-se a visão do ato administrativo
deste período como “ato polícia”, estando esta associada à ideia da centralização
máxima do poder administrativo – conceção atocêntrica, isto é, o ato administrativo
era tudo e todas as coisas.
Ademais,
a atuação da Administração pautava-se pela não intervenção na vida da sociedade,
por se crer que as realidades económicas eram algo que tinham a ver com a dinâmica
da sociedade, pelo que intervinha exclusivamente para pôr em causa os direitos
dos particulares.
- Otto Mayer
Vai partir da equiparação
entre Administração e justiça, na lógica positivista a legislação era a função
criadora. Aquilo que caracteriza o ato administrativo é a definição do direito
pois define o direito aplicado ao súbdito no caso concreto.
Assim, baseando-se nesta comparação entre o ato administrativo e sentença, vem dizer que esta decisão do poder público/administrativo gozava ainda da característica da suscetibilidade de execução coativa contra a vontade do súbdito – a Administração podia executar essa definição do direito contra a vontade do particular.
- Hauriou
Compara o ato administrativo
com o negócio jurídico. Embora parta de base diferente, chega ao mesmo
resultado positivista sociológico de Mayer.
Considerava que havia
exorbitância e privilégios relativos à Administração que eram de dois tipos:
§ Definitório – a Administração definia o poder
aplicável ao particular no caso concreto
§ Executório – suscetibilidade de execução
coativa contra a vontade do particular.
- Marcello Caetano
Adota a construção deste
género. Estas duas características vão influenciar Portugal – ato
administrativo como ato definitivo e executório. Esta ideia vai permanecer em
Portugal até 2004.
O ato era definitivo pois
definia de forma autoritária e definitiva a vontade Administração e o direito
aplicável ao particular no caso concreto. Tal realidade vai-se traduzir na
executoriedade como característica dos atos – correspondia ao privilégio de
execução prévia.
Tal lógica do ato definitivo
e executório foi teorizada por Marcello Caetano que afirmava que quando se
falava em definitividade era preciso considerar três dimensões:
1) Produção
de efeitos – elemento material.
2) Tempo
da decisão – para este autor, só o último ato do processo administrativo é que
era definitivo
3) Órgão
que toma a decisão – era tomada por parte do órgão de topo. Conceito de
definitividade configura a decisão de última instância que põe termo ao
processo administrativo gracioso e é tomada pelo órgão de topo da Administração,
o Governo.
§ Definitividade material – corresponde à
definição do ato.
§ Definitividade horizontal – aquela que põe
termo ao procedimento e que define a decisão final, que é aquela que conta. O
ato era horizontalmente definitivo quando correspondia ao ato final do
processo.
§ Definitividade vertical – quando era
praticado pelo órgão de topo da Administração
2) Estado Social e uma Admi
Trouxe
novas funções que o Estado é chamado a desempenhar na vida social, cultural e
económica. Tal mudança vai transformar o modelo de Administração e vai também
transformar a hierarquia das funções do Estado pois na lógica do Estado
liberal, a função principal era a função legislativa – agora, a função das
funções é a função administrativa.
Surge
então a Administração Prestadora que passa a intervir na vida económica,
cultural e social atribuindo vantagens aos particulares.
Ao
lado do ato polícia surge o ato prestador que era atributivo de vantagens e
benefícios aos particulares. Esta realidade vai alterar de forma brutal os
quadros tradicionais da teoria do direito administrativo pois a caracterização
do ato polícia perde toda a relevância na lógica deste novo modelo de
Administração:
A
Administração deixa de estar relacionada com a justiça – não define o direito
(definitividade material), utiliza-o como um meio para a satisfação das
necessidades coletivas. A Administração nada tem a ver com a justiça pois esta
resolve litígios entre particulares e a primeira satisfaz necessidades
coletivas. Os atos administrativos são atos jurídicos pois produzem efeitos
jurídicos, mas não são atos de definição do direito.
A
ideia da tripla definitividade vai ser posta em causa. Definitividade material
– o ato não define o direito, logo não goza de definitividade material. A
Administração usa o direito para praticar o ato que corresponde ao exercício de
atribuições, mas é um ato de satisfação de necessidades coletivas.
A
realidade complexifica-se e portanto o modelo concentrado no Governo deixa de
fazer sentido. A Administração do Estado Social vai trazer entidades muito
diversas que desconcentraram o poder dentro da hierarquia administrativa. O
Governo deixa de ser chamado a intervir pois tal intervenção torna-se
desnecessária.
Dentro
do próprio Estado, ocorreu o fenómeno de desconcentração pois a Administração
passou a repartir a sua atividade por quem tem competência – pode praticar o
ato quem tem competência para tal. O Governo perde a sua dimensão dirigente e
passa a ter uma função coordenadora.
No
ato da administração prestadora a ideia de executoriedade e privilégio da
execução prévia deixa de fazer sentido pois o ato administrativo continua a ser
um ato jurídico mas já não é autoritário, não define o direito, utiliza-o e
pode ser praticado por qualquer órgão titular de competência ou até por
qualquer particular no exercício da função administrativa. Além disso, o que
está em causa já não é o produto final da Administração, mas sim tudo o que se
passou no quadro daquele procedimento.
O
privilégio de execução prévia passa a depender da lei. Ainda assim, os atos favoráveis
não são por natureza suscetíveis de aplicação coativa pois o particular quer e
solicita o ato e portanto não faz sentido impor o ato ao beneficiário.
Em
Portugal a ideia de definitividade foi contestada pela escola de Coimbra.
Rogério Soares vem afirmar que não faz sentido a construção lisboeta pois os
atos administrativos não gozavam da característica da executoriedade. Para este
professor a única que poderia ser relevante na produção dos efeitos do ato era
a eficácia. Em relação à definitividade a alternativa era ideia do ato
regulador – este é menos do que o ato definitivo e executório e corresponde à
produção de efeitos jurídicos, estes que sejam qualificados. Os efeitos
jurídicos teriam que ser novos, alterando assim a ordem jurídica. Era o ato
como simples produtor de efeitos jurídicos.
Esta
ideia do ato regulador por um lado abandona a ideia da definitividade
horizontal, mas por outro tende a manter a ideia de definitividade material,
ainda que pouca. Desaparece a ideia de definição do direito, embora se exija
que o direito seja novo mas procura manter-se a ideia de definitividade
vertical de modo a justificar a necessidade de haver recurso hierárquico.
É
uma construção intermédia em Portugal, mais adequada segundo o Professor Vasco Pereira da Silva. É o
ato como simples produtor de efeitos jurídicos, no quadro de um procedimento e
dando origem a modificações e extinções de relações administrativas.
Esta
mudança de dimensão social faz com que os atos prestadores passem a ser a
maioria e os atos polícia a minoria. Põem em causa o conceito de ato
administrativo e também a própria noção de ato definitivo e executório como
garantia de recurso.
3) Estado pós social e uma Administração Reguladora/Infraestrutural
Vem
trazer uma nova modalidade de Administração – Reguladora ou infraestrutural.
Este modelo pretendia essencialmente criar infraestruturas materiais e
jurídicas para realização da função administrativa entre Administração e
particulares.
Vai
dar origem a outro modelo de ato administrativo, o ato de eficácia múltipla
(multilateral) – decisões administrativas produzem efeitos numa multiplicidade
de sujeitos. Implica que o mesmo ato produza efeitos diferentes nos múltiplos
sujeitos.
Passamos
a ter uma Administração multifacetada que pratica atos de diferentes formas:
o Atos Polícia – com a executoriedade limitada
pela lei.
o Atos Prestadores – de natureza favorável e
não são definitivos nem executórios
o Atos Multilaterais – produzem efeitos numa
multiplicidade de sujeitos.
Deste
modo, a construção de ato administrativo que vigorou no séc. XVIII e XIX já não
é adequado para a realidade do séc. XX e XXI.
Tem de existir um sujeito
que produza o ato, que pode ser um órgão administrativo como um particular no
exercício de funções administrativas. Tal ato tem de produzir efeitos numa
situação individual e concreta, e estes, por sua vez, não têm de ser efeitos
inovadores ou definitivos, têm de ser simplesmente efeitos jurídicos. Este ato
é praticado no decurso de um procedimento e cria, modifica ou extingue relações
jurídicas.
Em suma, é um ato da
manifestação de vontade na prática da função administrativa, que é praticado no
quadro do procedimento e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas
administrativas e produz efeitos jurídicos individuais e concretos.
- Apontamentos das Aulas do Professor Vasco Pereira da Silva
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Vol. II (4ª edição, Almedina, Coimbra, 2020).
Maria Teresa Machete nº140120122
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