Avançar para o conteúdo principal

"A História Clínica da Esquizofrenia da Contratação Pública"

 

A História da Esquizofrenia da Contratação Pública

 
O direito administrativo nasceu nos tempos da revolução francesa para proteger a Administração pública. Na verdade, a principal forma de proteção foi a proibição aos tribunais judiciais de controlar a Administração e a criação de um juiz privativo que não era um juiz. Ora, esta criação do juiz privativo aplicava-se, nos termos das leis revolucionárias de 1789, apenas aos atos administrativos e na lógica da proteção da Administração quando praticava atos da autoridade.
 
No entanto, no final do século XIX, a Administração pública começou a utilizar alguns
contratos, inicialmente a título limitado, tratando normalmente de questões como a energia das cidades e a criação de mecanismos de iluminação pública. De facto, a iluminação pública era vista como uma tarefa pública, que não podia, contudo, ser realizada diretamente pelo Estado pelo que este começou a regulá-la por contratos.
 
Assim, de forma a proteger esta nova atuação contratual, a Administração optou por alargar o privilégio do juiz privativo também a este tipo de contratos, começando a apelidar-se estes por contratos administrativos.
 
Deste modo, a partir de uma determinada altura criou-se uma contraposição como se fossem duas categorias antagônicas: os contratos ditos administrativos e os contratos ditos privados da Administração. Esta esquizofrenia que nasceu de uma manifestação do trauma da infância difícil, de proteger apenas alguns contratos que envolviam maiores quantias monetárias e porque eram aqueles que correspondiam a um objetivo essencial de interesse público. Por este motivo, começou-se a dizer que uns são contratos administrativos porque têm um regime especial de direito público, são regulados pelo direito público e são da competência dos tribunais administrativos. Já os outros, a Administração quando atua é como qualquer particular e, portanto, são regulados pelo direito civil e são controlados pelos tribunais nacionais.
 
Criou-se esta esquizofrenia ao nível da contratação pública, que fazia de uns contratos
realidades de direito administrativo e de outras realidades iguais à dos particulares. Deste modo, a doutrina procurou explicar esta realidade e veio dizer que isto correspondia a características diferentes dos contratos, depois ninguém arranjava características que os distinguissem uns dos outros.
 
Nos anos 80, por um lado, a Administração habituou-se aos contratos, aquilo que no século XIX era uma raridade, no século XX transformou-se numa atuação normal da Administração, inclusive foi a partir da legislação dos anos 80 e 90 que se estabeleceu a ideia de que a Administração pode escolher praticar o ato administrativo ou contratar. Ou seja, a Administração escolhe aquilo que é mais eficaz e que segue o interesse público.
 
Os poderes do contrato administrativo não tinham nada de exorbitante, eram idênticos
aos que os particulares tinham em contratos similares que decorriam da lei, mas o que estava em causa era a unidade do exercício da função administrativa. Ora, esta divergência entre a corrente tradicional marcada pelos traumas da infância difícil e esta corrente inovadora que pretendia a unificação levanta uma discussão importante, mas que em si não trouxe mudança.
 
Efetivamente, o que causou realmente mudança foi a realidade europeia, porque esta distinção esquizofrénica da Administração só existia em 4 países europeus (França, Espanha, Itália e Portugal), nenhum outro país sabia de que se tratava. Todavia, aquilo a que a União Europeia chegou à conclusão, nos anos 90, foi que para haver uma realidade em que há um espaço de integração económica, em que se verificassem as liberdades e direitos de circulação e etc. era preciso haver um regime comunitário em matéria de contratação pública de modo a permitir que, a título exemplificativo, no concurso à Alemanha concorresse um cidadão de nacionalidade chinesa ou polaca. Isto é, a criação do mercado comum implica o estabelecimento de regras comuns em termos de contratação. Por isso mesmo, a União Europeia afirma que é fulcral construir uma figura do contrato público relativo ao exercício da função administrativa e que inclua os contratos administrativos e os contratos de direito privado da Administração. Isto seria do maior interesse da UE na medida em que a contratação pública é necessária para uma realidade unificada, mais, é preciso regras comuns num domínio económico muito importante, e essas regras decorrem do exercício da função administrativa. Como tal, não seria vantajoso introduzir uma distinção esquizofrénica que por si só não fazia sentido, muito menos em países que nunca tinham ouvido falar dela. Logo, a União Europeia decidiu estabelecer um regime unificado dos contratos públicos e regular as categorias destes.
 
Maria Teresa Machete
Nº140120122



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Petição Inicial

Meritíssimo Juiz de Direito, Florbela Betão, nascida em 04.05.1967, portadora do número de CC 55555555, com residência na Avenida da Liberdade e Diretora da Faculdade de Arquitetura enquanto representante desta instituição, Vem, nos termos dos artigos 58º e segs., do CPTA, intentar a presente ação administrativa contra o antigo titular das Finanças, e atual vice-Reitor do ISER e contra o próprio Ministério das Finanças.  Visando: A) A determinação deste ato administrativo como ilegal e portanto a sua anulação.  B) Que a Administração Pública elabore um novo despacho em que incluísse o financiamento também do Centro de Investigação para Estética dos Edifícios Públicos, da Faculdade de Arquitetura.  Dos factos: 1. Foram apresentados 22 projetos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior. 2. O Ministério da Ciência e do Ensino Superior apresentou estes projetos por considerar que todos tinham mérito para receber financiamento. 3. Estes projetos estavam em igua...

À descoberta do sentido do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa:

Importa primeiro dizer que, o artigo 266º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, que fala na prossecução do interesse público por parte da Administração Pública, não é critério único da ação administrativa. Seguindo a lógica é óbvio que há que prossegui-lo, no entanto, essa persecução ocorre mediante o respeito simultâneo dos direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares. Podemos dizer que o nº1 do referido artigo apresenta uma certa dualidade de princípios que se concretizam na prossecução do interesse público e, também, no respeito pelos particulares, mais concretamente, no respeito pelos direitos do mesmo. De notar que apenas se a lei permitir e se se encontrar uma justificação razoável, a Administração Pública pode pôr em causa, numa decisão, os direitos supramencionados, podemos então concluir, que, nunca haverá um desrespeito pelos direitos dos particulares. Deixar em gesto de nota que, partilho da opinião do Professor Vasco Pereira da S...

Post Rodrigo Sousa da Câmara Martins Ferreira - A relevância do procedimento administrativo na Contratação Pública

 Por impossibilidade de acesso ao blogue por problemas de compatibilidade do e-mail, eu Rita Reigadas deixo em seguida o post da autoria do colega Rodrigo Sousa da Câmara Martins Ferreira com o número de aluno 140120515 a pedido deste. A relevância do procedimento administrativo na Contratação Pública Numa sociedade com um Estado, que deseja ser interventivo na vida social e no mercado, requer-se a utilização de mecanismos jurídicos e procedimentais para satisfazer os seus objectivos. A intervenção do Estado pode ocorrer através de dois principais mecanismos, nomeadamente; a legislação, por exemplo através da proibição do exercício de certa actividade profissional ou não; e a aquisição de bens/produtos/serviços, como por exemplo através de um contrato público para a aquisição de uma plataforma digital para uma entidade pública. Para o exercício de poderes legislativos o Estado socorre-se dos mecanismos constitucionais, que legitimam a Assembleia da República e o Governo (també...