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Poderes Discricionários e Vinculados

Conceitos

Primeiramente, importa definir cada um dos conceitos. 

Poder discricionário corresponde, então, à margem de escolha que a Administração Pública possui em relação a uma determinada decisão. Por exemplo, se o legislador quiser estabelecer um critério para construir pontes, este vai ter de ter em conta que há sempre aspetos que não podem ser estabelecidos por lei, ficando dependentes das decisões da Administração Pública, que se integram no seu âmbito de discricionariedade - como, por exemplo, o local onde vai ser construída, pois a Administração é quem vai fazer análises económicas, ambientais, entre outras.

Já o poder vinculado ocorre quando a lei atribui determinada competência, definindo todos os aspetos da conduta a serem adotados pela Administração Pública, sem atribuir margem de liberdade para esta escolher a melhor forma de agir. 

Lógica liberal

A lógica liberal considerava que uma coisa era a legalidade (isso era a vinculação) e outra era o poder discricionário, que era visto como uma exceção à legalidade.

Marcello Caetano

Também o Prof. Marcello Caetano considera que o poder discricionário é uma exceção ao princípio da legalidade - tudo o que não estivesse expressamente determinado na lei cabia na liberdade da Administração Pública. Contudo, nesta altura já se introduzia algum controlo ao exercício do poder: a competência e o fim da norma estão sempre vinculados.
Este autor considerava, então, que vinculação e discricionariedade eram coisas diferentes. Enquanto que no domínio da vinculação estávamos no quadro da legalidade - perante uma norma legal de natureza vinculativa havia necessidade de um cumprimento rigoroso e o não cumprimento significava uma ilegalidade -, no domínio do poder discricionário estamos perante uma liberdade de escolha da Administração Pública - exceção ao princípio da legalidade.

Marcello Caetano introduz, no entanto, alguns elementos de jurisdição de discricionariedade - o poder discricionário tem 2 limites:

  • vínculo da competência: não podia haver discricionariedade na atribuição de competência. A competência resulta da lei - nenhum órgão pode actuar se a lei não lhe atribuir competência para tal.
  • vínculo do fim: não podia haver vício do desvio de poder (vício particular dos atos administrativos) - vício previsto na lei, que ocorre quando a Administração Pública pratica um ato com um fim diferente de um fim legal. O poder tem de ser exercido nos termos do fim para o qual foi consagrado.
Freitas do Amaral

Freitas do Amaral procura conciliar os dois conceitos, fazendo uma teorização típica de uma democracia do Estado de Direito e do Estado Social.
Este autor entende que não há atos totalmente discricionários nem totalmente vinculados - em rigor, há sempre elementos discricionários e vinculativos em qualquer ato administrativo, em diferentes doses. O Prof. Vasco Pereira da Silva concorda.
Mas Freitas do Amaral continuava a considerar a discricionariedade como sendo uma margem de escolha da Administração Pública. Relativamente a isto, Vasco Pereira da Silva entende que é contraditório, pois, se estamos perante o princípio da legalidade, não pode haver liberdade. A liberdade é dos indivíduos, a Administração aplica a lei ao caso concreto, concretizando a vontade do legislador.

Sérvulo Correia

Este autor vai alargar o alcance da discricionariedade, distinguindo dois momentos:
  • margem de livre apreciação dos factos: onde a Administração Pública é livre para apreciar o caso concreto, com base na lei
  • margem de livre decisão: onde a Administração Pública é livre de tomar uma decisão, embora com base na lei, após a apreciação dos factos
Por exemplo, se um projeto corresponder às características previstas na lei, a Administração Pública  deverá conceder a licença em causa, a menos que tenha alguma margem de decisão, onde pode adotar uma perspetiva diferente.
Vasco Pereira da Silva faz uma crítica, não concordando que haja apenas dois momentos. Afirma que existe pelo menos mais um - o da interpretação da norma, onde a Administração tem de escolher a interpretação adequada para a norma. Só depois deste momento é que a Administração Pública vai apreciar os factos, tendo em conta a norma, tomando, por último, a sua decisão.
Além disso, Vasco Pereira da Silva considera que a margem nunca é livre, pois estamos no âmbito de um poder jurídico, de uma escolha feita pela Administração, de acordo com o princípio da legalidade.

Vasco Pereira da Silva (e atualmente)

Este autor não considera a discricionariedade como uma exceção à legalidade, nem que esta seja uma opção livre. 
Considera que não seja correto falar em margens de livre apreciação e livre decisão. Para Vasco Pereira da Silva existem três momentos, que não são livres e estão ligados entre si:
  • interpretação
  • aplicação
  • decisão
O aplicador de direito da Administração Pública vai, portanto, pegar num texto e aplicá-lo a uma realidade, e isso implica escolhas (que têm limites), sendo este responsável por elas. Se a decisão não couber  na margem de escolha, é ilegal.


Bibliografia

Aulas teóricas do Professor Vasco Pereira da Silva
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª Edição



Margarida Machado (n.º 140120026) - turma 1/A


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