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O artigo 12º do CPA e o Direito de Audiência como Direito Fundamental - Post nº2

Quando se analisa o Código de Procedimento Administrativo encontra-se no Capítulo II os princípios gerais da atividade administrativa, encontramos então um conjunto de princípios vários vinculativos que obrigam directamente a Administração. A versão do Código de Procedimento Administrativo de 2015 mantém algumas das normas dos anos 90 mas alterou outras e aumentou o número de princípios. Não tentado fazer um juízo de importância ou hierarquizar os princípios existe um que me suscita maior interesse. O principio em causa é o principio da participação previsto no artigo 12º do Código de Procedimento Administrativo (a formulação desta norma manteve-se intacta na revisão de 2015). O principio da participação é uma prova de superação dos traumas da infância difícil, da Administração autoritária que não considerava os particulares na relação que estabelecia com eles e da Administração agressiva que quando atuava era para agredir os particulares. O principio da participação representa a rotura com a lógica de que o particular não interessa. Este principio realça a importância dos particulares participarem na tomada de decisões, tem em si implícita a ideia de audiência. O direito à audiência prévia encontra-se previsto nos artigos 121º a 125º do Código de Procedimento Administrativo, uma realidade que surgiu apenas com o CPA de 1991, em que a audiência dos interessados passou a incorporar todos os procedimentos administrativos, garantindo-se assim uma "Administração participada " que não decide sozinha, nas palavras do Prof. Freitas do Amaral. A Administração tem que ouvir o particular, tem que conhecer a sua posição de modo a que quando chegue o momento da tomada de decisão possa considerar o que este pensa. A lógica é a de que um particular não pode ser alvo de uma situação se não for ouvido, ou seja, para o Prof. Vasco Pereira da Silva trata-se de um instituto que assegura a proteção dos particulares no procedimento, uma exigência de um Estado de Direito, e se afigura como um instrumento democrático de formação da vontade da Administração. A contrário o Prof. Paulo Otero trata a audiência prévia como um corolário do princípio do procedimento equitativo, impondo este um direito ao contraditório dos particulares caso a tomada de decisão seja por este considerada inadequada.

Ora a respeito do principio da participação devemos ainda explicar que este se encontra na Constituição no artigo 267 nº1 e também no nº5. A este respeito é vital abordar se o direito audiência dos particulares constitui ou não um direito fundamental. A doutrina diverge neste ponto, se considerarmos que é um direito fundamental o que acontece é que se este não for respeitado gera a forma mais gravosa de invalidade ou seja a nulidade (nos termos do artigo 161 nº2 d) do Código de Procedimento Administrativo! A questão da nulidade é defendida pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Prof. Vital Moreira, Prof. Gomes Canotilho e Prof. Vasco Pereira da Silva, nas palavras deste “uma decisão administrativa praticada sem a audiência dos particulares interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que deve ser considerada nula”. Ou seja, entende-se o direito à audiência prévia como um direito fundamental, uma vez que estamos perante o reconhecimento de uma posição jurídico-constitucional de vantagem do particular perante a Administração (como reconhece o artigo 267º nº5 da CRP). É importante ainda referir a dimensão que se prende com o facto de não existir tipicidade dos direitos fundamentais como estabelece o artigo 16º da constituição que é uma cláusula aberta e que permite configurar o direito à audiência prévia como um direito fundamental. Contudo, e como já referi não existe unanimidade quanto à questão e portanto apesar da posição constitucionalmente fundada esta posição não é dominante. O Prof. Freitas do Amaral e o Prof. Pedro Machete defendem que gera apenas anulabilidade (nos termos do artigo 163 nº1 do Código de Procedimento Administrativo) com base num argumento histórico de uma norma antiga que diz que a falta de audiência de um arguido em processos disciplinar não gera nulidade mas apenas anulabilidade. Também na posição do Prof. Freitas do Amaral o argumento de não ser um direito fundamental assenta   no facto de não se encontrar directamente ligado à dignidade humana, dizendo que “direitos fundamentais são apenas os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana”. O Prof. Vasco Pereira da Silva contesta este argumento dizendo que “os direitos de procedimento surgem, como o desenvolvimento do principio da dignidade da pessoa humana num Estado Pós Social”. 

Em suma, compete dizer que de facto a doutrina diverge relativamente à questão de considerar o direito de audiência como um direito fundamental, a posição que tem sido adoptada pelos nossos tribunais vai de encontro com a posição do Prof. Freitas do Amaral. Como estudante da disciplina de Direito Administrativo aprendi que é extremamente relevante quando se analisa qualquer questão de direito administrativo revisitar a história, neste caso assumir que o direito de audiência como um direito fundamental é uma forma de respeitar a dimensão evolutiva do direito. Quando se supera a realidade de uma Administração agressiva e se chega a um ponto como o actual não considerar o direito de audiência como direito fundamental é não respeitar o estatuto de interessado. Neste sentido, devemos considerar as palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva quando diz que “A Constituição de 1976 trata os indivíduos como sujeitos de direito nas relações administrativas, reconhecendo-lhes expressamente direito subjectivos perante a Administração, com a natureza de direitos fundamentais que integram o seu estatuto jurídico-constitucional e o colocam numa aposição de igualdade (à partida) relativamente aos poderes públicos”.


Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas - Curso de Direito Administrativo Volume I, 2015, Almedina

OTERO, Paulo - Direito do Procedimento Administrativo Volume I, 2016, Almedina 

PEREIRA DA SILVA, Vasco; Em Busca do Acto Administrativo Perdido; 2016 (Reimpressão), Almedina.


Rita Antunes Reigadas – Turma 1 - 140120511

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