DEBATE SOBRE A POSIÇÃO JURÍDICA DOS PARTICULARES EM FACE À ADMINISTRAÇÃO
Equipa de defesa da “Tese dos Direitos Reativos”
17 DE MARÇO DE 2022
MARIA TERESA MACHETE, nº140120122
MARIA BORDALO VIEIRA, nº140120184
SOFIA BELMAR DA COSTA, nº140120
MARIA SÁ MONTEIRO, nº140120
Alegações Iniciais
Para
começar, não podemos iniciar o debate relativo à posição jurídica ocupada pelos
particulares tendo por base um conceito do passado, conceito esse em que o
particular não era mais de que um súbdito da Administração todo-poderosa. Hoje,
são reconhecidas aos particulares posições jurídicas substantivas relativamente
à administração, na qualidade de sujeito de direito. Não esquecendo também a
faculdade de exigir determinadas prestações por parte do Estado.
Antes de
começarmos a explicar as vantagens da teoria dos direitos reativos, importa
perceber o que é, em primeiro lugar, um direito subjetivo.
Partindo
da definição do Professor MENEZES CORDEIRO, vamos adotar a conceção de direito
subjetivo enquanto permissão normativa específica de aproveitamento de um bem. Nas
relações com o Estado, isto concretiza-se na possibilidade de o particular
exigir determinada conduta (ativa ou passiva) à AP, desde que verificados os
pressupostos normativos - os direitos subjetivos típicos – como seria, por
exemplo, o direito a exigir ao Estado a atribuição de um subsídio.
Releva
apontar que esta não é a única técnica para conferir vantagens às pessoas - é o
caso das proteções reflexas e indiretas. Isto é, nas palavras do Professor
MENEZES CORDEIRO, ao fazermos incidir normas de comportamento estas acabam por
acautelar certos interesses, mesmo sem atribuir expressamente um direito nesse
sentido – assim, haverá um beneficiário ao qual, não sendo atribuída qualquer
permissão, se concede uma certa tutela, através dos deveres impostos terceiros.
Ora, a Administração Pública está submetida ao princípio da legalidade, dever
este que, reflexamente, atribui aos particulares uma posição jurídica de
vantagem - concretizada no reconhecimento do chamado “espaço vital do
indivíduo” - também passível de violação, por uma atuação ilegal da
Administração Pública.
Concentrando-nos
então nos direitos reativos que, ao contrário do que alguns autores defendem,
existem a partir do momento é atribuído ao particular a possibilidade de pôr em
movimento uma norma objetiva no seu interesse. Citando GARCÍA DE
ENTERRÍA: “antes da infração não existia um direito
de ressarcimento dos danos subjetivo propriamente dito mas um simples dever
imposto pela lei a outros sujeito”, neste caso à administração pública.” e
“só depois ter sido cometido um ato administrativo
ilegal é que o indivíduo adquire, pela conjugação dos 2 elementos de prejuízo e
de ilegalidade, um direito subjetivo à eliminação dessa atuação ilegal de modo
que se defenda e restabeleça a integridade dos seus interesses”.
Temos a
título de exemplo, quando a Administração Pública violar o direito de
propriedade de um cidadão. Claro que esse direito existe enquanto situação
absoluta, mas o direito à reparação do dano é um novo e distinto direito, e não
um mero derivado do primeiro.
Assim, nas
relações administrativas, o particular pode fazer valer direitos subjetivos
típicos, ou direitos reativos, quando foi perturbado na sua esfera vital por
uma atuação administrativa ilegal.
Críticas à Teoria Binária/Trinitária
1) Crítica à
distinção entre "direitos" e "interesses legalmente
protegidos"
PROFESSOR VASCO PEREIRA DA SILVA,
interesses legalmente protegidos, é uma forma de designar direito, e sendo
assim, o legislador que estabeleceu esta forma, dos direitos subjetivos e
interesses legalmente protegidos, corresponde, na perspetiva do Prof. Vasco
Pereira da Silva, a uma noção ampla de direitos subjetivos públicos que abrange
todas as hipóteses possíveis e imagináveis destes direitos, independentemente
da figura a que dê aso no quadro dos direitos subjetivos.
O facto de
se utilizarem estas expressões não significa que se trate de situações
diferentes que impliquem graus de proteção diferentes...
1.
Temos na verdade
vários exemplos que demonstram exatamente que as expressões são referidas
inúmeras vezes em conjunto nos textos normativos, para além de possuírem
regimes idênticos.
2.
O Artigo 140º/1/b) do
CPA equipara o estatuto revogatório dos atos constitutivos de direitos ao
estatuto revogatório de atos constitutivos de interesses legalmente protegidos
3.
nos casos raros em que
a lei não utiliza estas designações, utiliza expressões genéricas que se
reportam tanto aos direitos subjetivos como aos interesses legalmente
protegidos
4.
A responsabilidade
civil das entidades públicas, prevista no Art. 22º da CRP, aplica-se tanto à
violação de um direito como de um interesse legalmente protegido
Posto
isto, parece evidente que a lei ao utilizar o termo "interesse legalmente
protegido" está a referir-se, na verdade, a um direito.
2) Crítica à
categoria dos interesses difusos
A lei em
momento algum distingue interesses legítimos e interesses difusos, apenas
refere “interesses legalmente protegidos” (que correspondem aos interesses
legítimos).
Em
primeiro lugar, porque os direitos quando são atribuídos por uma lei, são
criados para todos ao mesmo tempo. Depois, a norma aplica-se ou não aos
cidadãos, mas não há diferença entre um bem que está previsto para muitos ou
todos. A lógica da ordem jurídica é que, em regra, a criação de direitos
resulta de uma categoria jurídica que atribui a vantagem a todos e todas, não é
por haver esta realidade difusa que a situação jurídica é difusa, esta é um
direito subjetivo. Estamos perante uma situação em que a norma estabelece o
direito e o direito é de cada um quando entra na esfera jurídica tendo em conta
a situação jurídica de cada.
Por outro
lado, esta construção também parece um disparate porque confunde duas coisas distintas:
uma coisa é a proteção objetiva do ambiente, uma tarefa fundamental do Estado,
o que não impede que o Estado garanta a possibilidade de apropriação do bem
para uso individual. O facto de haver a proteção de um bem público, o ambiente,
não impede que o particular tenha um direito de exploração do ambiente –
existem contrato de concessão de um bem público. E, portanto, a proteção do bem
público não exclui a possibilidade de existência de direitos subjetivos.
São
dimensões diferentes da mesma realidade e, portanto, esta ideia da lógica
trinitária não é uma construção adequada, nem para explicar as posições de
vantagem. O que resulta daqui é uma distorção das posições jurídicas subjetivas
das pessoas que estão em causa. A própria lógica do direito subjetivo do
direito privado é a de considerar que estas situações são verdadeiro direito.
3) Crítica à
importação da realidade italiana
A dicotomia dos direitos subjetivos
e interesses legítimos vem do direito italiano e correspondia à separação de
jurisdições, aquilo que fosse direito subjetivo era matéria dos tribunais
comuns, enquanto os interesses legítimos era dos tribunais administrativos.
Isto acontecia em Itália por imperativos de separação
de jurisdições. Contudo, importa salientar que ZANOBINI,
autor italiano de renome e que é fundamento aos defensores desta tese, não faz
esta distinção entre as posições materiais dos indivíduos, já que escreve: os
interesses legítimos constituem uma categoria de direitos subjetivos, enquanto
derivam de normas que ficção deveres e limitações à conduta da administração
pública.
Ora, tal nunca
existiu em Portugal, quer uns quer outros em Portugal, eram da competência dos
tribunais administrativos. Ademais, os sistemas
jurisdicionais português e italiano são totalmente divergentes pelo que a
transposição desta distinção para a nossa ordem jurídica é inviável. Com a
agravante de este sistema ter sofrido variadas críticas internacionalmente,
tendo, inclusive, a ordem italiana sido a única ordem internacional a adotá-lo.
Deste
modo, não parece pertinente que se defenda a aplicação deste sistema em
Portugal.
Críticas à Teoria da norma de proteção
Como
sabemos, esta teoria foi sendo progressivamente aperfeiçoada, pelo que vamos
apresentar diferentes críticas, consoante as alterações introduzidas pelos
diferentes autores ao longo do tempo
1ª VERSÃO: Para
Buhler,
autor e defensor desta teoria, para estarmos na presença de um verdadeiro
direito subjetivo era preciso que se concorressem 3 elementos:
·
Norma
jurídica vinculativa
·
Intenção
expressa de proteger os particulares
·
Meios
de tutela jurisdicional
Crítica:
Este primeiro conceito de norma acaba por restringir em muito os direitos
subjetivos dos particulares, visto que se concentra exclusivamente nas normas
que derivam da lei formal (como vimos em aula o DA é uma realidade
multidimensional à qual correspondem as mais diversas fontes - não nos podemos
concentrar única e exclusivamente na lei formal sob pena de restringir em muito
os direitos dos cidadãos)
A
necessidade de intenção inequívoca é um pressuposto muito complexo que pode,
mais uma vez, restringir os direitos dos cidadãos - se estivermos perante um
conceito indeterminado o cidadão não é titular do direito?
Por
fim, a consagração de meios de tutela jurisdicional aproxima-se em muito da
nossa tese.
2ª VERSÃO: Otto Bachof (2ª versão desta teoria)
Este autor aperfeiçoou a teoria da norma de proteção,
reduzindo os seus pressupostos exigentes, alegando que a norma passava a
corresponder a vinculações legais e que a proteção dos interesses dos
particulares pode resultar de normas que versam não só sobre o seu interesse
exclusivo do particular, mas também tutelam interesse público. Este autor
defende ainda que a proteção jurisdicional não é um pressuposto do direito
subjetivo, mas antes uma consequência do mesmo
3ª VERSÃO: Bauer
Nesta terceira versão, o conceito de diretos subjetivos alargou-se de modo a abranger também os direitos fundamentais – direitos fundamentais enquanto fundamento imediato dos direitos subjetivos dos particulares face à AP
Crítica: esta
versão, embora a mais completa das três até agora apresentadas, peca por
insuficiência - ao tipificar os direitos dos cidadãos, ainda que alargando o
âmbito aos direitos fundamentais, não reconhece ao indivíduo um espaço de
liberdade, carecendo sempre de previsão legal (deixa de fora os interesses
difusos ou os direitos de terceira geração)
4ª VERSÃO: Professor
Vasco Pereira da Silva
Esta versão complementa a versão anterior, defendendo
o professor que tendo o Direito Constitucional reconhecido os direitos
fundamentais enquanto direitos subjetivos, não faz sentido defender que apenas
os DLG são direitos subjetivos
Críticas que nos poderiam ser feitas
não valorizar o direito substantivo e apenas o processual e de hipervalorizar o direito de ir a tribunal - confusão de conceitos
Os direitos processuais são direitos
que têm uma função instrumental visto que o seu objetivo é tutelar os
particulares para que não surjam as lesões. Os direitos processuais são distintos
dos direitos substantivos. Na nossa ordem jurídica existe tanto o
direito de ir a juízo (direito processual) como o direito a que a Administração
atue de determinada forma para garantir o direito dos particulares.
No quadro de uma relação jurídica, o
particular é titular dos mais diversos direitos: o direito a ser tratado em
condições de igualdade, o direito a ser ouvido antes da decisão, o direito à
fundamentação da decisão, o direito de reagir judicialmente se foi prejudicado
e se pretende ir a tribunal.
O direito de ir a
tribunal, que existe sempre, é um direito que é consequente da lesão do direito
substantivo e, portanto, se o direito de ir a tribunal é subjetivo, nos termos
dos artigos 20º e 268º nº4 e 5 da CRP, não pode ser confundido com os direitos
substantivos do particular que foram lesados e, por consequência, o levaram a
ir a tribunal.
Revela-se importante não confundir estas duas realidades: direitos subjetivos típicos e direitos reativos:
Os
direitos subjetivos típicos surgem no quadro de uma Administração prestadora em
que o particular exibe pretensões ativas face à Administração; os direitos
reativos consistem, aquando da violação de um dever imposto à Administração, no
surgimento de um direito de ir a juízo.
Como
já vimos, o que o particular tem são meros interesses, protegidos por via de
reflexo de um dever imposto à Administração – quando a Administração Pública
viola o dever a que estava adstrita, lesando um interesse do particular, este
tem a possibilidade de reagir – existe uma clara distinção entre o interesse
lesado e o direito a reagir, e este último é consequência da violação, acabando
deste modo por repor a integridade e equilíbrio dos interesses do particular.
Semelhança entre a teoria do direito reativo e da norma de proteção
A
realidade é muito complexa e diversa, não conseguindo o legislador prever
expressamente todos os interesses e direitos do particular -ao impor à
Administração Pública um dever objetivo de legalidade, conformamos diretamente
a atuação da Administração e tutelamos de forma mais abrangente os direitos ou
interesses dos particulares, que deixam de carecer de consagração expressa do
seu direito ou interesse de modo a receberem proteção.
Por fim,
por que razão é necessária uma distinção antiga e abstrata, sem nexo no quadro
atual, entre Direito Privado e Direito Público, que impõe a tipicidade em todas
as situações possíveis dos particulares em face da Administração?! – não há
trauma de infância que justifique este comportamento.
Alegações Finais:
Vistas então as principais críticas que se podem
fazer, quer por não se considerar a posição do particular como una em face da
Administração Pública, quer por se verem os diretos subjetivos onde ainda não
existem, cabe agora finalizar tudo o que foi dito.
Esta ideia tem,
desde logo, uma importância unificadora. Ou seja, significa dizer que tudo isto
são direitos que podem ter conteúdo. Também faz sentido dizer que seja comum a
todos estes direitos que o particular possa recorrer a tribunal para obter a
sua tutela. Assim, são direitos que permitem ao particular reagir contra
agressões da Administração Pública, na sua respetiva esfera jurídica.
Importa aqui
mencionar que a legalidade da Administração Pública não é meramente
organizativa, mas uma forma de garantia da liberdade de cada indivíduo. Ora,
esta liberdade não precisa de advir de normas constitucionais, já que qualquer
instrumento jurídico que sobre elas verse limitar-se-á à declaração da sua
existência, e não ao seu reconhecimento.
Dito isto,
assistimos a um processo de transformação da legalidade, que deixa de ser vista
como uma construção objetiva à margem das situações subjetivas do cidadão,
visto que o reconhecimento de uma ação impugnatória fundamenta, exatamente, o
direito subjetivo do indivíduo à defesa da sua liberdade, quando esta for, lá
está, ilegalmente violada, e não só uma ação de reposição objetiva dessa
legalidade.
Deste modo, o “prejuízo” deixa de ser um mero
requisito processual e passa a ser verdadeiramente a base do direito subjetivo.
Requisito esse, aliás, que pretende a eliminação desse mesmo prejuízo, quando
causado ilegalmente.
Tendo isto em conta, não podemos por de parte
(tal como já referimos anteriormente) os direitos subjetivos típicos que, no
quadro de uma administração prestadora, se encontram legalmente previstos pela
existência de uma relação dita “obrigacional” entre a Administração Pública e o
particular. Para além disso, também não podemos desprezar outros direitos
subjetivos típicos, como os direitos absolutos sobre coisas.
Porém, nestes
últimos, a sua violação surge como fundamento de um novo direito
subjetivo. Direito subjetivo esse que nasce com a violação do dever de
legalidade da Administração Pública, ou seja, o direito à reparação do dano.
Por exemplo, se
alguém viola um direito de propriedade sobre certo bem, mais não faz que violar
um dever genérico de respeito que lhe é imposto. Isto porque, uma vez que não
existe qualquer relação prévia entre o titular do direito e qualquer sujeito
que se encontre adstritos a esse mesmo dever. Contudo, de tal violação vai
surgir um direito subjetivo de reparação dos danos provocados. Direito
esse que é novo e distinto do originário.
Isto é exatamente o que defendemos no quadro da
Administração Pública. Ora, quando não esteja em causa a violação de um direito
subjetivo típico desta relação do particular com a Administração Pública,
ser-lhe-á imposto um dever objetivo de legalidade (que, lá está, será
distinto de um dever genérico de respeito) dos interesses de facto, ou direitos
absolutos, espaço de liberdade, o que lhe quisermos chamar... que só quando
violado fundamenta o surgimento do direito subjetivo à reparação do dano.
Dito isto, se
este regime existe no nosso direito privado, com as chamadas proteções reflexas
ou indiretas, não há motivo preponderante que justifique que seja diferente no
direito público.
Assim, a equiparação das situações jurídicas dos
particulares entre regimes de direito público e direito privado não pode passar
pela discriminação positiva de um face a outro. Significa isto que, com esta
teoria, mais não defendemos que uma mera igualdade de ramos de Direito – os
traumas da infâncias não devem ser acarinhados mas sim tratados.
Visto tudo
isto, percebe-se com clareza a razão de só depois ter sido cometido um ato
administrativo ilegal é que o indivíduo adquire, pela conjugação dos elementos
do prejuízo e da ilegalidade, um direito subjetivo à eliminação dessa atuação
ilegal, de modo a que se defenda e restabeleça a integridade dos seus
interesses.
Bibliografia:
VASCO PEREIRA
DA SILVA, A Natureza Jurídica do Recurso de Anulação, Coimbra, Almedina, 1985
VASCO PEREIRA
DA SILVA, Direito Constitucional e Administrativo sem fronteiras, Coimbra,
Almedina, 2019
ANTÓNIO
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. I, 4ª Edição, Coimbra,
Almedina, 2012, reimpressão de 2019
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